Três poemas de Rafaela Miranda
amar com todos os dentes da boca, sei lá
pisar com pés macios, é isto
desarrumar a terra, encrespar o mar
passar a ferro o céu
das desforras: pôr o coração a limpo
das poeiras cósmicas: espanador
dos musgos: arrumar um canto pra eles
se vamos invadir a casa, comecemos
pelas paredes
deixe que examinem sua caixa torácica.
se vamos dividir a casa, quero todos os
exames. de cabeça, ombro, joelho e pé.
e se seus pés estão tortos, você deve
concertá-los qual maestro de batutinha
na mão e de cara pra mais funda lagoa
das lagoas do sonho.
mind the gap
fica
a ponderação entre a palavra e a coisa
entre o que é dito e não-dito, o vão,
o instante em que o silêncio escapa
& corre
eu o sinto escorrer pelas minhas mãos
o gosto é de flagra, líquido
escape – a poeira que foi colocada sob
o tapete; tapete que fica no centro da
sala de visitas; visitas que insistem e dizem
pra você que: o instante entre a palavra e a
coisa
entre o que é dito e não-dito
fica
*
cada parte de mim
me puxam a perna
se um ser de diversas pernas eu fosse
talvez pudesse compensar o déficit &
ir além onde desbocados alguns me
alcançariam mas
falta perna em mim
falta perna em mim
falta perna em mim
e caminho de sobra.