Três poemas de Raissa Correia
Raissa Correia tem 21 anos, é de Ubatuba e atualmente mora em São Paulo, onde estuda Licenciatura em Inglês.
***
antes de morrer, as baleias dividem
o peso do corpo com a terra
e pela primeira vez
o oceano suspende a fome
pois a praia é somente um torso exausto
pela violência da luz
falta-lhe os olhos e algum terreno para repousá-los
depois do mergulho.
é impossível, aliás
pensar nas coisas rasas
depois que o corpo toca o solo
o coração é uma ilha que silencia e se encerra
onde o mar possa tocar-lhe os extremos
então a morte das baleias abre um buraco
para além das veias do mundo
onde começa a criação das coisas frágeis
e tudo é marcado pelo sacrifício
como uma voz que regressa
na memória das águas
e no fulcro dos dias.
*
o coração de meu vizinho não é somente
o solo arenoso que carrega
o último canto do pássaro
que perdeu as asas para a lança
é também tão quente quanto o mar
nos dias de Sol
este grande ventre à espera do luto
irá embora também o seu último filho,
a criança que repousa para além
desde mundo?
o coração de meu vizinho é a chama incandescente
que esta criança desolada carrega
em suas mãos
é a escada que sustenta a casa ausente
o firmamento de cada degrau
até que se alcancem as janelas
e os dedos frágeis apontem para o ofício da luz.
eu te amo, chama que não se apaga
e amo o gesto imóvel quando chegas
até a porta
como uma nova paisagem entre as madeiras
do assoalho da casa
como quem traz no peito
o caminho.
*
(um poema para “Feliz como Lázaro”)
nunca estivemos tão próximas
da última noite
como agora
mas construímos pedra sobre pedra
este sítio em ruínas
e antes do anúncio da aurora
testemunhamos os lobos abandonarem os corpos
feridos pelo homem
quando o tempo despontava nas flores
convencidas pelo vento
e seus dedos frescos as apanhavam
(que criança poderia
conter-se tanto?)
nenhum deus se cala na primavera
quando a terra responde às coisas sem nome.
a infância cresce
esculpe o rosto do caminho que se estende
até a notícia das estrelas
amo a distância,
e sei que a morte é um sangue que não seca
sei que em nossas mãos beberemos da luz
para dizer do fôlego
fora das horas
vejo que de nós duas não sobrou o medo
somente a cadência da nudez
no espinho da alegria
e ainda seus lábios colhem a clemência do fogo,
que não viola a esperança
mas queima como um pão que se leva à boca
muito além da fome.