Três poemas de Ramon Carlos
Ramon Carlos (Santa Catarina, 1986). Escreve no site: www.estrAbismo.net. Sua carreira literária resume-se a dois contos publicados em uma antologia, além de materiais diversos em revistas como: Inutensílio, LiteraLivre, Subversa, Philos, Escambau e Bacanal. “estrAbismo” não é apenas um compilado de escritos dos autores Ramon Carlos e Eduard Traste, é um conceito. Como o nome sugere, são visões distorcidas, olhares próprios, impróprios e às vezes gritos do Abismo. Através de poemas viscerais, caóticos, cômicos, pornográficos, estrábicos, como quer que seja, os autores discorrem sobre qualquer coisa, desde que o resultado sintonize na frequência pulsante de versos vivos. MR. OCULUS claro, é um personagem fictício, ou não, que paira com sua elegância sobre a deselegância, com sua justiça sobre a injustiça, com seu tato nas mesquinharias espalhafatosas que corroem a nobreza de um louco.
***
O capcioso eu derrotado
Foi Churchill quem disse:
“Agora que fizeram o que queriam
Vocês têm uma tarefa mais difícil
Gostar do que fizeram”
Ao som dos ruídos gástricos da cidade
O poder nunca foi tão metafísico
Partindo de um ponto ignóbil e viril
O desvio insular coberto por um lençol com dois furos
Homens e mulheres como adesivos num campo de golfe
Foi por isso que Prometeu prometeu não prometer mais nada
Sempre ouço dela: “Não existe doença, existe doentes”
Há muito pouco para mastigar ultimamente
Tudo parece trivial e sem gosto
Comboio marginal
Animais gargalhando, pois voltaram no tempo
E abortaram suas mães
E as tartarugas vivem muito
E as corujas também
Enquanto um besouro castrado na gaiola
Queima num berço vicioso
Colando fumaça no quadro branco
Escritor tarde demais
Escritor cedo demais
Desaprendendo
A caçar na escuridão
Um feixe de luz ilusório
Que me cega
No primeiro feixe de luz
Na escuridão
Era 22:00 quando faltou luz no bairro
E o primeiro grito que ouvi foi esse:
“Filha da puta! E agora como saberei a hora de parar de limpar o rabo?”
O maldito cano sanfonado
Os intrusos, a goteira, as rachaduras da parede, o barulho da caixa d’água
Uma aranha sem pernas tecendo sua teia para afastar-se de mim
*
Bengala
Preciso tirar o pó
Do escorpião na poeira
Reflexo branco
Caindo aqui dentro
Da janela do vizinho
Tento fechar a cortina constantemente
Mas continua caindo aqui
Iluminando uma linha reta
De praticamente nove centímetros
Até o pé da porta
Ele cruza Gal de Galileu
UL de PULP e a mão no gatilho
A borboleta azul do Novíssimo Testamento
Então percebo parte do recibo do aluguel
Que tanto precisei mês passado
Absorvido sob Minal de Germinal
Busco-o pelo carnaval da janela
Fecho a cortina novamente
Lembro daquela rainha verde
Que torcia os velcros sobre a cabeça
Rasgo o recibo em pequenos pedaços
Atiro-os em direção ao ventilador
Quando volto do banheiro
Os nove centímetros como uma muralha lunática
Atingem meus dedos dos pés
Antes de sentar, observo
Tação de Alimentação
Sento, e aquele sabre incandescente
Serra-me ao meio
Ao mesmo tempo em que me taxa de impotente
Brilhando meu maço de cigarros sobre o estribo
Uma mulher de cabelos cacheados
De bom porte, chega ao quarto vizinho
Eles conversam sobre a morte
De um estrangeiro no bueiro
Depois ela pede para estender as roupas no varal
Da janela
Eu ouço pingos nas telhas
Mas é uma mulher de fibra
Enquanto ela faz seus movimentos
Aquele reflexo que parecia tão contundente
Torna-se um pôr do Sol entre as montanhas
Uma víbora em um balde de ácido
Lanço-lhe um beijo, mas ela não vê
Eles conversam mais um pouco
Sobre o fim do amianto e as cruzadas perdidas
Ela vai embora, enquanto ele ouve uma música
Que também cai aqui dentro
Continuo serrado ao meio
Róis de Faróis, Êniev de Turguêniev
Acendo a luz do meu quarto
Baixando a guarda
Mas quando leio que
Os Tigres de bengala
Podem acasalar até cinquenta vezes em um dia
Desligo a luz
E vou beber na cozinha
*
Guizo
Trato
Pacto
Ato
Eles mentem quando dizem que é o próximo da fila
Eles sucumbem perante uma cortina de ferro
Eles são ondas no aquário
As onças desconfiadas e desbotadas pela velhice
Suspeitam que valham menos que 50
Pagam pelo valor do troco
Dividir a dúvida pela dívida é uma dádiva duvidosa
Quantos já tentaram pisar na sombra da Lua
E caíram num buraco do espaço
Pombais, sótãos, quartos de vidro, coberturas amanteigadas
Asilos, monumentos, faixas pretas no cemitério das borboletas
Parto
Parto
Parto
Resiliência como a arte de tornar-se impróprio
Eu sei, eu sei
Amanhã uma idosa de 80 anos falará com sua mãe
Uma coisa qualquer
E todos ao redor nem se darão conta
Que a vida pode ser realmente longa
Cheia de ninhos criados entre espaços de tempo livres e discretos
Raízes que o Templo não apagará
Parto, trato
Parto, pacto
Parto, ato
Assim parto
Devorando dentro de mim
A beleza do esquecimento