Três poemas de Raul Souza
Raul K. Souza é natural de Curitiba, com formação em Filosofia, largou uma especialização em Direitos Humanos para andar de bicicleta e depois também largou a bicicleta. Atua como Editor-executivo na Kotter Editorial. Escreveu o Zine independente Astronautas pedem uma pizza e dois pathos com gelo (2017), produzido junto de Francieli Cunico e de Antonio Lopes. Em 2021 lançará seu primeiro livro, ligações que rasgam. Muito crítico, pois virginiano.
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eu e os outros
no escuro quarto da casa
da alma
da família
com sonhos no chão
sem bebidas, nem brigas, nem costas,
as minhas, as suas, as nossas,
mais de sete horas diretas de conversas
do êxtase, auge, fim, clamado
de uma geração de novos
de um caixão negro, enorme pai
de um dia que insiste em não viver.
ainda estarei de pé depois que esta noite passar,
ainda celso estará de pé quando uma guerra dentro desabar
andrey ainda estará aqui depois de uma chuva de loucura num minuto de terror
hudson vestirá um dia inteiro em sua alma
e seu grito chegará até as esquinas e baterá nas portas dos céus,
entrará pela janela como a fumaça de nossos cigarros dentro de sala espacial
de loucura e de amor
acordados como eu agora
esperando o auge de uma madrugada que só se faz no amanhã
e por uma noite incrível de vida de apenas vinte anos
não rastejando, nem correndo, nem gritando
apenas fervendo no chão da sala do apartamento
consegui saber que naquele dia de vinte anos
foram quatro vidas de vinte anos
de uma noite bêbada, engraçada e tímida
sobre nossos corpos invertidos.
na cara limpa, de olhos furados o coração exposto
nossas almas
só era a nossa vida, crua e real
na casa do divino garoto bandido
dos sentimentos dos anjos, humanos, operários, heróis-vilões da casa.
inimigo infalível da loucura nua homossexual cristã da alma
tirano invisível do sonho infantil
de uma noite fria de 1997
de uma doença coletiva, miserável das ruas, dos olhos, do trabalho,
de uma doença explodindo na cabeça dos deuses deste século
da raiz profunda, pulsante, viva, berrando ao meio-dia na praça de seus anjos, pendurados animais
com os seres celestiais mais profanos da casa mais limpa que já frequentei,
onde vomitei por uma hora e voltei todas as noites pra vomitar
só pra pisar no chão escravo da solidão
e desilusão e crise e vida.
da morte em pé para o dia deitado,
da imagem da cruz dos olhos e feições das crianças
olhando o horizonte: frias, imóveis, angelicais, sujas, tristes, órfãs, de joelhos,
observando a violência casual cotidiana incurável
dos seus sentimentos deficientes,
de seus corpos mais vazios, de uma pureza armada
e sozinha andando pelas ruas
por mais um gole, esperando uma eternidade de dores engraçadas
para acordar horas depois com meu amigo
dizendo:
que não terminamos algumas horas atrás
e o dia não terminou, a noite não terminou
nós apenas dormimos,
acordamos sem nossos pesos anteriores para olhar nuvens
acompanhar o jogo frenético de velhos senhores engraçados sob a janela,
derramando baldes de preocupações de dores dos castelinhos de areia construídos nelas,
com algo de velho
com algo de novo
com algo para continuar
tulipas
leio o mapa da infância nas costas
enquanto seu rimbaud me expia
e sua plath
aprendo a paz, deitado sozinho
com i.
m.
o mickey me encara da sua camisa
em 2018, tivemos conversas longuíssimas
: por que é mais fácil
montar catálogos de frustrações
tecer silêncios e carregar falcões nos ombros
? descobri tulipas nas dobras do seu nome
como quando você descobriu o verão na dobradura
da minha perna
meus pais moram a três quadras da br-277
só esquece o mar
quem mora perto do mar
(bruna mitrano)
repetidamente uma vez ao ano
eu me dava conta de um medo terrível
e pedia baixo pra que ninguém se machucasse
mais um ano a tragédia não afogasse
alguma das 13 ou 14 pessoas que dormiam no chão
repetidamente com o passar dos outdoors
me dava conta da escola,
o que faziam nos dias-chuva aqueles que moravam em montanhas
? com quem brincavam, como recebiam visitas
se eram árvores e aço
? eu sinto uma estranheza toda vez que vou para o mar
um mau presságio,
repetidamente eu penso como é estar a 47 km do mar
repetidamente da casa dos meus pais, eu digo para joão
: este ano nós fomos atrás daquelas montanhas ali ó
e concluía que devia ser ruim
estar mais perto do mar e longe
do terminal e do centro da cidade
quando conheci a fran e o celso, eu costumava esperar
os ônibus que vinham da direção do mar
e brevemente pensava no verão
éramos 14,
eu só sabia minha avó que viu o mar pela primeira vez após 57 anos
eu só sabia da espera para usar o banheiro
e de três pessoas que morreram no mar
na lua de mel deles com uma irmã
se pagava muito caro para ver o mar
anos depois e me doía o mar no rosto da dáfine
quando perdi mãe-se-esconde amplificado
e a derrubei no chão na frente de desconhecidos
na cama comigo
aquele foi o pior e o melhor dia da minha vida
a sibele e o allan no sofá
eu encarava nu a cratera que se abria
no beliche de cima
aí eu fugi para o mar
três dias depois e
desejei nunca mais encontrar a prima da sibele
até hoje eu penso
que fiquei lá
Adonis Ribaski
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