Três poemas de Rubens Akira Kuana
Rubens Akira Kuana é arquiteto e urbanista. Atualmente, cursa mestrado em filosofia. Autor de dois livros de poesia: digestão (LUMA Foundation, 2014) e nem tão amarelo assim (Shiva Press, 2020).
O poema “MANIFESTO POESIA RESISTÊNCIA” integra o livro nem tão amarelo assim. Os demais poemas são inéditos.
***
MANIFESTO POESIA RESISTÊNCIA
assinado por
137 poetas brancos
do eixo rio-sp
*
mandando um e-mail pra cia das letras
a Nam June Paik
Ei,
publica meu livro aí
na moral
é um livro muito bom
(minha mãe disse)
q diferença faz pra vcs
A gente vai tudo morre
Abraços!
rubens
*
não conheço ninguém que não escreveu um poema ruim
a Ana Guadalupe
I
Pergunto-me se a maior
parte da poesia ruim
conhecida pela espécie
humana é proveniente
do soporífero fato de que
as pessoas não se contentam
em serem apenas boas
leitoras de poesia e,
portanto, insistem em
compartilhar com um mundo
que não possui tempo
de sobra seus poemas ruins.
Por que as pessoas não abandonam
seus poemas ruins respeitavelmente
nas gavetas? Nos cadernos onde
estarão para sempre protegidos
da vergonha e da humilhação
alheia? Por que não fazem
como a polonesa Szymborska
quando, ao ser questionada
sobre a pequena extensão
de sua obra, respondera:
“Eu tenho uma lixeira”?
II
Por outro lado, poemas
ruins possuem o seu valor.
Eles nos revelam as parcelas
de nossa compaixão diária.
Sondam, sob a solércia,
as mesquinharias da alma.
Afinal, quem nesta terra
não precisa de uma parcial
porém perpétua aprovação
de seus pares e amantes?
Ruim ou boa, toda poesia
é escrita por pessoas
carentes de atenção.
III
Como crianças aprendendo a ir
ao banheiro da escola, dizem,
“Vejam! Eu escrevi um poema!”
–Céus, é assim que começa .
Quando já se viram e limpam
a bunda, dão descarga, dizem,
orgulhosas de seus coliformes
fecais, “Vejam! Eu também sei me expressar
como Neruda, Drummond, Leminski, Bandeira!”
(Convenientemente, as pessoas costumam
citar uma série de homens brancos
mortos, mas sinta-se à vontade
para compor uma nova lista
conforme sua preferência
e afinidades pessoais).
Velhas e banguelas, prestes a vestirem
fraldas novamente, dizem, enquanto
confrontam um passado piegas,
“Vejam! Eu também consigo
articular em palavras a mais
completa incompreensão
da vida e do universo”.
IV
Pessoas ruins e poemas
bons. Pessoas boas
e poemas ruins.
V
Mas pergunto-me, sobretudo, por que
as pessoas tatuam os piores versos
possíveis na própria e única
pele? Por quê?
Eu acho que cada poema
ruim deveria retratar-se
perante a História e, simplesmente, acabar
com uma breve e singela nota:
Me perdoem, me perdoem.
____________________
(Fotografia de Thiago Flores [detalhe])