Três poemas de Sofia A. Carvalho
Sofia A. Carvalho é doutoranda no Programa em Teoria da Literatura da Universidade de Lisboa e bolseira da FCT, com um projecto sobre a obra e o pensamento de Teixeira de Pascoaes. Tem uma paixão pelo teatro que a levou a sair do lugar de espectadora e a frequentar o Curso de Formação de Actores. Dança e escreve poemas, textos e ensaios: coisas que gosta de fazer, tanto quanto de ler.
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Máxima ignorância máxima
Não sei de quem é o modo de dizer
sem equívocos esta solidão a fazer-se
acompanhada de bois e pássaros.
Em todas as estações o corpo iminente
a arder além das asas muito mais
além a ignição a passo e passo grafando
ombro a ombro o bafo a madrugada
ou aquele som disposto a cair no mundo
sem despedida, imenso, anónimo.
Não sei de quem é o modo de dizer
adeus ao rio até ao fundo e as algas
arrancadas ao rosto sem sair do lugar.
Não sei o nome das coisas pequeninas
que se tornam sem tamanho ao passar
passando os teus cabelos na minha mão.
Não sei andar sem ser em modo de ser
criança entre nuvens de chumbo aos pés
e flores a abrir hieraticamente a caminhada
e não é triste isto de assim não saber.
*
Goela abaixo
Não é preciso unir tanto a língua
ao vento ou articular até ao fim
ad vitam aeternum
isto dito assim interessa-me
um pouco mais de veneno
e um queixo proeminente
donde sai em linha recta
a palavra a encher o espaço
curvo na sua simplicidade.
A não ser que existam erros
que não desistam, como pedras
nos sapatos de toda a gente
ou goela abaixo o infinito
mesmo que o desconheça
sem ser isto
penso no gesto que ficou por dizer
a palavra no pretérito dos ossos
desabando
do pescoço aos pulmões
talvez por falta de nome a dar.
*
Dizer de certo modo o modo certo de dizer
entre ti e nós uma fotografia gasta
sem água sem dia sem flores carnívoras
que servem para nada, exceptuando
o modo certo de dizer
desilusão
entre avenidas entre
uma revolução para fazer ainda
inundações até à última página
sem baloiço alinhado aos céus
porque
e as árvores de Sintra
são as árvores de Sintra,
entendes? O musgo mordendo
a cara enquanto os dedos
se desprendem das gavetas
com corpos lá dentro
e o cotovelo gasto tão gasto
sem conseguir arrancar
a clavícula e o sonho que tomba
preso que está à garganta
um último verso.