Três poemas de Thomaz Albornoz Neves
Thomaz Albornoz Neves poeta de Sant’Ana do Livramento, na fronteira do Uruguai. Reuniu seus seis livros de poemas em À espera de um igual – 1985-2018, lançado em 2020 em edição do autor pela TAN ed.
Os dois primeiros poemas estão no livro Renée (1985). O terceiro poema, “Sono”, constitui-se de diversos fragmentos.
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Além do que a vista alcança
as dunas giram ao vento
a mesma enseada sem fim
Nada muda, nem se repete
O sal brilha na bruma
a cada volta do farol
E da varanda parece
que tudo parte nascendo
A maré vaza, avança
inunda a ilha onde há um lago
*
Um poema sobre o destino
que desperte o futuro na memória
Meditado sem palavras longo tempo
Um poema não escrito
A poesia basta, emana em si mesma
A poesia é uma luz sem pensamento
Um poema em silêncio
para migrar juntos por céus opostos
Que vá ao teu encalço com pressentimentos
e acenda o vale em vislumbres
antes que o vale surja no horizonte
*
O sono (1989)
No centro do espaço
nua
propagas o vazio
Tua aura
expande o espaço
Para que o infinito
tenha centro
tua nudez sonha a si mesma
Tua luz
dissipa
as formas
No lago de calor
sou ar aprisionado
Em ti não perece sequer amadurece
a vida
A transparência é teu peso
e te rodeia o vazio que circundas
No vazio
incrustada
tua nudez
O que se vê é o eco do que não é visto
No escuro
mergulhada em água rasa
o luar de tua nuca sonha ser face
Somes
no
silêncio
És o que te sonha
Do jade que há no ar
nasce o gesto
Rastro de pérola enegrescendo
o arco do gesto propaga ondas
resplendem ecos de cascatas
o vazio transborda as margens do espaço
Ao gesto
Tens o corpo
de luz
onde chove
Do escuro te contemplas
Vês
o que
sentes
És o lago do olhar
na ausência dos olhos
Tua aura
ecoa
no ar
Aurora no vazio
Ao vento
um trigal
sem terra
A luz do teu corpo sentes em teu corpo
És
ouro
onde não há luz
Dormes no cristal escuro
Um fio de relva divide a transparência
Cristal
dissipado
tua nudez
Da forma à ausência de forma
sob meus olhos
É dia
No centro
da luz
raias
A luz é tua sombra
Rozana GASTALDI Cominal
Versos incríveis. Poesia que liberta!