Três poemas de Tiago D. Oliveira
Tiago D. Oliveira nasceu em 1984, em Salvador-BA, graduado e mestrando em Letras pela UFBA, tendo passado pela UNL (Portugal). Tem poemas publicados em blogs, portais, revistas e jornais especializados no Brasil, Portugal e Espanha. Participou também de antologias no Brasil e em Portugal, dentre elas: Contos nos is (Edições Ecopy, 2011, Portugal), Entre o sono e o sonho – tomo I, II e IV ( Chiado Editora, 2013 e 2016, Portugal), Publicou Distraído, poesia (Editora Pinaúna, 2014), Debaixo do vazio, poesia (Editora Córrego, 2016) e Contações, poesia (Editora Patuá, 2018).
Os poemas abaixo fazem parte do livro As solas dos pés de meu avô (Ed. Patuá, 2019).
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i.
é pelos pés de meu avô que entendo a vida.
morto de cima de nove décadas esculpidas
nas rachaduras das solas duras, naquele
mesmo quarto de estreitos e sonhos.
caminho nos cascos a figurar seu povo,
na herança do sangue no olho
que o eco de sua voz ainda vive.
é pelos pés do morto, numa cama de pau,
que vejo a luz do dia chegar.
o choro, a reza, a morrinha de paz que fica.
*
ii.
meu pai chegou à capital menino. de domingo
a domingo perdeu o que hoje não consegue mais lembrar.
veio para tentar a vida e ficou – foram as primeiras frases
que li naquelas solas duras de pés juntos, como os de quem reza.
era o título de um texto que continuava – depois fui eu
a partir para Lisboa em busca da manilha e o libambo que idealizei.
ecos em silêncio vindos de outra existência, idas de 1800, ou não,
ou de um call center, atendendo às ligações e sendo mandando de volta
a cada três minutos, recebendo ecos de outras partidas.
quando meu pai veio para a capital tinha a metade de mim,
a outra descobri quando retornei de Portugal.
há mais ou menos quarenta anos ele chegava,
após quatro eu voltei para o Brasil.
as rachaduras nas solas duras de meu avô
escreveram estas palavras também.
*
vii.
antes de ser enterrado, meu avô foi velado sobre a mesa.
as veias secavam o movimento dentro do corpo envolto
pelo lençol branco que deixava os pés serem iluminados.
nossos caminhos pulsando na terra novamente, desde
o sangue e suor derramados até aqui, fluindo painho e eu,
um rio: Manezinho da mumbuca, Paraguaçu água grande,
unos, em prece e quermesse, pelo povo,
bebendo e comendo os seus corpos.
as veias secas de meu avô, o rio que leva à vida,
os pés cravados sem escolha, nem conhecimento.