Três poemas de Victor Hugo Turezo
Victor Hugo Turezo nasceu em Curitiba (PR), em 1993. É poeta e tradutor. Autor de minha massa encefálica despenca como se de um desfiladeiro (Patuá, 2017). Traduz Alfonsina Storni e, junto com Natália Agra, publicou Bosque musical (Corsário-Satã, 2018), plaquete com poemas de Alejandra Pizarnik.
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cascas subvinculadas se estatelam
no rejeito da anatomia cifrada de cátedras de cascalho
camadas de aves de papel compreendem
a hipocondria ínfima decretada – estudo fisiológico-comportamental
suspenso – é do samba que a sinestesia eclode,
no pé do edifício ladeado pregados consomem
o gracejo inventado; o contrabando da insônia;
(cartola mete a voz na lapela escorregadia)
inconclusivo chiado; é pela idade mitigada que a morfina escorre;
a prognose do dia é a incumbência derretida dos hipopótamos;
a vitalidade de uma cadela
muda;
não saberia o que é um palimpsesto se não tivesse lido
um livro de capa rosa; assim como não saberia o que é uma
caneta se não gesticulasse intermitentemente sobre um caderno
pautado preenchido de tinta negra; a memória me queima
e tenho de desarranjar sentidos para não comprometer
o predicado do meu
atalho;
volto ao final da bolha intravenosa desencadeada por laranjeiras
que ainda não são laranjeiras, são mudas, e mudas não desabrocham
com um filatelista que subverte o próprio estigma rarefeito – o sino
metódico metalizado trai toca e é quando a retroalimentação dos saldos
destrutivos de vidas ensandecidas
diminuem;
não presto entendimento; presto a incapacidade dos planetas
a quimera da ejaculação estabelecida em consultórios;
a aliteração cimentada nos lírios; em realidade não sei nada
de fisiologia, física quântica, metafísica, loucura;
fixo a incompreensão; a não necessidade do conhecimento;
escrevo por pouco entender; pelo estranhamento convulsivo;
retraído em cubos de gelo e água amarelada, limpo
os dentes na manga da
camisa.
*
nasce o delírio sobre a métrica
em hendecassílabo pragmático
ilusória peregrinação; estudo sobre o poema
inacabado; interceptação comiserada
do vacilo
temático
sei da inércia corrente –
me alinho de um jeito
nauseabundo
meu espaço perpétuo; doo abalos sísmicos;
concateno o povoado-lugar
fodido
desencolho manhãs, suicido auroras tingidas;
mas o irresoluto não é a compressão de rinhas,
solilóquio invertido, capim descamado,
rodoviárias confortáveis, caladas, geométricas;
simulo cartas sem
dedicatórias;
coloco limado o vinco
da folha flutua contracena com parte de uma
paisagem reconhecível: tornozelo quebrado,
antebraço fuzilado.
e as metades de palavras
dentro de um saco plástico escuro.
dentro de uma bolha laranja
que abdica de sopros.
tentativas de movimentos
abandonados pela boca.
*
encontrei rachaduras emudecidas numa carótida
injeção atrofiada fecundada
sob uma pétala de poeira
o reaquecimento de suas estufas internas
o cultivo irrequieto de bétulas matizadas
(num vídeo, escuto parte de uma
fala da anne sexton dizendo
que ela pode explicar facilmente
o sexo mas que a morte
é inexplicável e então
ela olha com uma cara
de não-sei-o-que-posso-fazer-pelo-mundo-além-de
morrer e começa a ler um poema)
e sigo escrevendo que cultivo
bétulas matizadas
e por mais que eu não possa
cultivá-las realmente
penso que devo escrever
sobre a minha incompetência
em recolhê-las. porque as coloco em sacos pretos,
asfixiadas, doentes, metade caule,
metade pó de pétala arregaçada;
arranhada. murmuro resíduo
desfolhado atrito paro sublinho
o junco descascado
não quero morro, monte, montanha,
miocárdio estourado;
quero a mudança do tempo verbal enterrado
na taquigrafia do
fim.