Três poemas de Viviane Nogueira
Viviane Nogueira é graduanda em psicologia no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. É poeta, autora da plaquete Onde estão os holofotes da tragédia (2018), com ilustrações de Steffano Lucchini.
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cada macaco no seu galho
e sua tartaruga procurando
casco no divã
*
o manual de uso veio incompleto
*
como são feitas as escadas?
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sempre que esta perto de terminar
volta um capítulo atrás
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poderia ser um constructo de concreto
mas não é
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poderia ser uma pedra no mar de alguém
e também não é
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conceitos operacionalizáveis não
são bem traduzidos na transdução
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talvez nas folhas dos capítulos daquele livro estivessem imagens que fizessem referências a
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ver era ou não uma dádiva?
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cada macaco no seu galho e
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não foram encontrados vestígios de um manual no pacote entregue
*
como acaba uma espera?
*
era depois da morte herberto helder
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talvez só cabelos no caixão
*
duas garrafas de heineken
penso se para duas garrafas vazias de heineken existe mesmo a possibilidade de que uma faça companhia para a outra. penso nas duas garrafas de heineken silenciosas sentadas ao lado das cadeiras de praia. zacca e mais alguém ou alguém e mais alguém, todo mundo em silêncio. a falta de assunto se repete todos os dias, por isso eu abro a geladeira em busca de alguma coisa para dizer. as maçãs não rendem duas linhas de qualquer prosa. meu gosto por água com gás já não surpreende nem nos primeiros encontros. tomo iogurte todas as manhãs e não misturo o mel porquê tomar iogurte com mel não implica que o mel esteja diluído na porra. eu continuo sentada na mesma cadeira e me lembro em silêncio de que você nem mesmo gosta de esvaziar garrafas de heineken.
*
ele me diz quero
dizer muitas coisas
mas não diz nada
quero falar mas estou no meio
de um trabalho difícil
eu sinto muito penso
e sinto muito é uma expressão que
pode significar meus pêsames
mas eu queria dizer que sinto
e é muito o sentimento
finjo que não espero mas sou a ana c.
sentada na espera de um carteiro-notificação
de uma mensagem de voz ou
estou disponível posso falar
era uma tarefa muito difícil
porque exige sentimento ele me diz
não consigo sentir
eu digo que o oco acontece
que tudo bem ser oco e
que ausência é sentimento
também
geruza me disse uma vez
você tem que se apropriar do vazio
e nesse tempo tudo em mim era vazio-poço-sem-fundo
eu me apegava cada vez mais a isso de biografema e
o vazio virou uma imagem-sem-forma que
aparecia em todos os meus poemas e
eu dizia para os meus amigos
não consigo sentir
e eles diziam sinto muito
eu fico assustada
quando vejo que não sei o que dizer
para a viviane que estava sentada com notebook no colo
três anos atrás repetindo
eu digo para ele
eu tentava me valer do vazio repetindo
(assim pelo menos o espaço não ficava em branco)
meu irmão chama o vazio de neutralidade
eu e meu irmão não gostamos de neutralidade
eu fico deprimida ele também
quando me assusto com minha mudez (vazio)
diante do vazio do outro
penso no meu desespero que assusta
quando recebi suas mensagens
falando muito repetindo muito
me assustei
acho que é disso que falavam quando me
disseram cuide para não se desesperar
e pensar que eu chorei muito
porque
isso assusta as pessoas
aquele dia no clube de poesia na mário
disseram que a poesia da ana c.
causa estranhamento
que é uma poesia que sequestra
e a gente não sabe o porquê
(não há pedido de resgate)
uma voz que se perpetua
alguém disse é uma poesia que
quebra a solidão entre o leitor e o escritor
mas na verdade ainda me sinto muito sozinha
uma voz que se perpetua
é uma voz assim
como a da marília que eu leio em voz alta
enquanto escrevo esses versos
quando a gente lê a marília dá mesmo essa vontade de
escrever com a voz que
empresta para ler os poemas dela
eu penso
e se alguém lê isso é capaz de sacar de cara
que eu estava na pira da marília
nesse mesmo clube de poesia
as pessoas falaram muito de
tom /confessionário/
uma poesia em que converso com uma amiga próxima
que nunca tive
e o lucas chamou atenção no final de tudo
me dizendo que para ele
parecia que nada tinha sido confessado
ninguém contou o que a ana c. confessava
para o lucas era sempre um dizer não dizendo
e eu vejo o que ele diz
como quem vê o espaço preenchido de repetições no vazio
(ainda que eu confesse muito da minha espera na espera da ana)
eu queria era dizer que
tem o tom da poesia da ana o seu silêncio
a voz do seu silêncio sempre diz
mas não diz nada