Um conto de Anna Maria Moura, Elli Maria e Sol
Anna Maria Moura é artista marginal que desenvolve pesquisas em relação à literatura (Poetry Slam) e audiovisual negro, culturas de periferia (Batalhas de Rima) e demais intervenções artísticas urbanas desde 2018. Possui formação em Teatro com ênfase em Iluminação Cênica pela Unemat e é graduanda de Rádio e TV pela UFMT. Atua no Coletivo de Audiovisual Negro Quariterê desde 2017. Participou como produtora do curta Como ser racista em 10 passos de Isabela Ferreira.
Elli Maria é artesã; graduanda de Filosofia pela UFMT, pesquisa injustiças epistêmicas na área de epistemologia social aplicada; integrante do Coletivo Negro Universitário na UFMT; auxiliar de serviços gerais na rede municipal de educação e integrante do Coletivo Alternativa de Luta
Sol tem formação em Teatro, com ênfase em atuação, pela UNEMAT. É graduando de Letras – Português e Literatura pela UFMT, é poeta à margem e artista plástico; faz parte da Coletiva Slam do Capim Xeroso desde 2018 e destacou-se em 2019 no Prêmio Pixé de Literatura, promovido pela revista literária Pixé.
***
alGEMA
Augusto, alheio às interações sociais, mesmo dentro de casa com a família. Trancafiado nos pensamentos sobre vida e morte. – Iremos todos morrer? – Perguntava-se ao assistir TV. Saía do quarto na hora exata das refeições, quando tocava a vinheta do Cadeia Neles. Saía da caverna, Augusto e Datena para a janta. Saboreavam o sanguinário jornal com a mesma fome que se alimentavam daquela programação banal. No café era diferente, não havia Clóvis Roberto, nem Brasil Urgente. Só se sentia vivo de verdade, ao acordar. Hoje, para o café da manhã só tem geleia e ovo. A geladeira estava ficando vazia. – Vou fazer uma gemada. Lembrei de Vovó.
Vovó tomava gemada, de manhã bem cedo. Diz que fortifica. A força vem do ovo? Algema de ovo. Às gemas: Pelos poderes de vó Graça: Eu tenho a força! De vestido Magenta, me balançava no colo, na rede, eu era menor que as “frôzinha” de seu vestido. A gente brincava: Quem nasceu primeiro? As galinha da MAGGI ciscando lá na frente. Galo cantou e vovô já “tava” no curral porque Seu Jaime esquenta o coro de gado ARISCO.
Eu tinha medo da casa grande, era tudo tão gigante. – Parece que vai me esmagar, vovó.
O pé do Seu Jaime é um cepo de um pé. Mas quando se é criança, até o medo vira amigo, engraçado. Hoje, medo é companhia, amigo não é não. Augusto, alGEMAdo ao medo da morte, só se liberta com a ideia de interação com alguém que está muito longe. Pensou em visitá-la, não teve coragem. Resolveu escrever:
Vovó, Escrevo esta carta para saber como a senhora. está? Perdoa as andanças e eu não ter voltado tão cedo aí na sua casa, sei lá, tava andando atrás de mim. Tu que é aventureira, que nasceu pra passarinho, bem sabe onde estou indo, de onde vem minha paixão pela liberdade e pela possibilidade de estar onde eu quiser, mesmo estando hoje aqui isolado. Hoje lembrei-me de quando eu era criança e da minha ansiedade de ir ao barreiro a busca de ouro, meu objetivo, na verdade, nunca foi o ouro e sim as expedições, as aventuras. Vó, tu és aventureira e conheces bem o tempo e como as vezes não cabe nele tudo que queremos fazer, todas as pessoas e todos os lugares. A senhora sabe que sou chato desde criança, mas adorei a lembrança que mandou. Hoje, sou eu que trago-lhe de presente um abraço. Meus abraços não são só onde corpos se encontram. Meus braços, meu peito, meu coração carregam vivências, memórias, afeto, essência e ancestralidade. Carrego em meus abraços tantos outros que recebi. Felizmente existem os abraços, que curam o tempo e acalmam o coração daqueles que convivem com as ausências. É por isso que te abraço hoje, em agradecimento pelo sangue, pela genética e por esse espírito.
Preta, forte e aventureira, a sra. é vida, vó.
Mas vovó Graça não sabia ler. Augusto pegou o telefone e fez uma ligação.