Um conto de Débora Pedroni
Débora Pedroni nasceu em Niterói, RJ, em 1980. Cursou Letras/Inglês na UERJ entre 1998 e 2003. Em 2008, começou a trabalhar em navios de cruzeiro da empresa Royal Caribeean e viajou os 5 continentes durante quase 5 anos, tendo passado por mais de 60 países. Hoje, mora na Croácia e trabalha com criação de conteúdo, além de dar aulas de inglês e português pra estrangeiros. Foi recentemente convidada a ser Embaixadora da Rede Mulher Empreendedora na Croácia, e desde então produz textos e artigos voltados ao empreendedorismo feminino. Participa também de algumas antologias e coletâneas no Brasil e exterior.
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Um amor pra recordar
Verão de 1990. No Rio de Janeiro, todos os dias pareciam dias de verão. Mas, especificamente naquele ano, as noites sempre passavam dos 28 graus. Era comum ver as pessoas, turistas principalmente, mergulhando nas praias da orla carioca pra se refrescar das noites escaldantes atípicas na cidade. Nenhuma brisa, nada que pudesse trazer alguma sensação agradável ou de conforto pra quem caminhava pelas ruas de Copacabana, que ‘aquela altura lembrava mais o deserto do Saara do que o “país tropical abençoado por Deus”.
Era a primeira vez de Davi na Cidade Maravilhosa. Apesar de trabalhar em navios e visitar diversos lugares ao redor do mundo, nunca havia sido escalado pra uma rota que incluísse o Brasil. Pelo contrário, ele era sempre selecionado pela empresa pra navegar pelo Mediterrâneo ou Ásia. O que não era ruim, mas seu sonho era poder terminar sua carreira a bordo tendo pisado em terras brasileiras.
Na sua primeira viagem a bordo do SeaFree, Davi estava escalado pra trabalhar 8 horas por dia, e teria as noites livres. Não pensou duas vezes e já começou a pesquisar o que fazer primeiro no Rio: visitar uma quadra de escola de samba, ir a Lapa, andar pela Lagoa, conhecer as praias de Ipanema e Copacabana…estava em êxtase completo! Queria poder garantir logo alguns pontos turísticos a serem riscados da sua lista, já que não tinha certeza de novamente ter alguma oportunidade durante aquele verão.
Escolheu então ir a Copacabana, e, já que estava tão quente durante ‘a noite, foi preparado pra dar um mergulho. Era ótimo nadador, participou de diversas competições de triatlo e nado na Colômbia (seu país de origem) e se orgulhava das medalhas conquistadas ao longo dos seus 15 anos como triatleta. No entanto, estava um pouco parado porque, desde que entrou pra vida a bordo, deixou de lado os treinamentos e a dedicação ao esporte que tanta amava.
Desceu do metrô e foi em direção ‘a praia, pois não queria perder nenhum segundo daquela aventura noturna. Eram quase 7 da noite e Davi precisaria retornar ao navio antes das 2 da manhã, quando começaria seu turno daquele dia. Um pouco assustado por sempre ouvir tantas histórias de turistas e tripulantes que já haviam passado pelo Rio, Davi tentava manter a calma enquanto caminhava pelas ruas do bairro, procurando não se perder entre elas e, dessa forma, alcançar o mais rápido possível o famoso calçadão.
Lá estava ela! Com algumas ondas pequenas, bastante gente circulando pelas areias e jogando futebol ou vôlei, Copacabana era mesmo inconfundível! Assim que chegou, logo fez amizade com um barraqueiro e deixou sua mochila enquanto corria pra dar um mergulho. Olhou pra aquela imensidão de mar e pensou: “Como pude não pisar nessas areias antes! Quanta vibração positiva essa praia consegue irradiar!” Estava embrigado de alegria, parecia uma criança vendo o mar pela primeira vez.
O que Davi não esperava era que, ao correr desenfreadamente em direção ao mar, esbarrou forte e derrubou Aline, carioca que vivia em Botafogo, e que caminhava com seu cachorro distraidamente. Não sabia se se desculpava ou se tentava levantar Aline que, atordoada, buscava entender o que estava acontecendo. O pequeno shitzu de Aline parecia não ter se dado conta da situação, pois nem latiu ou tampouco tentou morder Davi. Sem graça dos pés a cabeça, Davi misturava inglês com um portunhol aprendido no navio para tentar se redimir do nocaute que havia dado em Aline.
A menina, por sua vez, olhava fascinada pro rosto de Davi. Estava encantada com o rapaz, que mostrava ser gentil falando devagar pra que ela entendesse. E ria timidamente, ao mesmo tempo em que queria interagir com ele, e saber um pouco mais sobre a sua vida. Quando deram por si, estavam sentados na areia, conversando sobre coisas triviais, aos olhares atentos de Bento, o shitzu, e observando o mar. “Quer dar um mergulho?”, perguntou Davi. “Mas onde vou deixar Bento?”, respondeu Aline.
Pararam numa barraca de água de coco e pediram uma cada um. Essa foi a brecha pra deixarem Bento com o barraqueiro e correrem pro mar. Aline adorava aventuras, já tinha rodado o mundo num programa de mochileiros e amava falar sobre suas experiências. “ Será que um dia vamos nos encontrar novamente?”, pensou Davi em voz alta. Aline se assustou, porque a mesma dúvida passava pela sua mente. “Se depender de mim, com certeza”. E sorriu, antes de se beijarem entre as ondas que iam e vinham.
Davi regressou pro navio, e se despediu de Aline e Bento, com aquela sensação de que estava prestes a viver uma história de amor, daquelas tão comuns em filmes e livros de romance. Prometeram se comunicar todos os dias e de se encontrarem todas as vezes que o navio parasse no Rio. Naquela madrugada de trabalho, teve a certeza de ter escolhido o melhor lugar para passar algumas horas no Rio. E essa decisão foi o maior presente que poderia receber naquele ano.