Um conto de Gustavo Henrique Araújo
Gustavo Henrique Araújo, nascido na cidade de São Paulo, onde reside atualmente, 19 anos, é designer gráfico, escritor e futuro jornalista. Amante da arte e leitor assíduo que desenha, ilustra e escreve contos, crônicas, poemas, artigos e resenhas.
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Sui generis
Caleb Caleb Caleb.
O nome perseguia-o incessante. As solas dos pés descalços desenhavam na terra fria por qual corria a longínqua estrada que percorrera sozinho na angústia de encontrar-se no mundo; corria, e o corpo antes mesmo dele recurvava-se sobre a lépida sensação de liberdade; sabia, no entanto, que corria não aos braços de ser livre, pois suas pernas nuas surpreendidas pela velocidade de um animal faminto pela sorte supusera a fuga para livrar-se da mentira que assolava-o intimamente. E como separar-se do íntimo? Sua luta entre sangue e carne não requereria o corpo, mas o precedido da pele, da carne, do coração. Mastigava com gosto o alvo de sua espada selvagem e não temia o sabor de arranhar o esmalte dos dentes pela superfície dura de seu interior. Sabia-se amalgamado por discordância e dissabor no nome. E por isso, corria em busca da verdade, ou da mentira? Representar-lhe-ia o destino de seu nascimento o todo que era ou havia algo que buscar e correr para ser sobretudo a matéria viva do útero? Foi filho de uma mãe sem alma que dera-lhe o nome distendido e sem vista, pois não havia espera, convicção, apenas justeza de um dom de fé que na ambiguidade da fé nada fazia por ele; foi passado de um pai que o esquecera e que talvez o pudesse ter salvo da loucura maternal e do credo iníquo da figura feminina que roubara-lhe a raiz e fizera-o imperfeito. Foi para si o que imaginou no sentido da palavra que o entendia; quantos por que o viram, lembraram da figura que crescera sobressalente às profecias; tinha cabelos demais para a idade, grandeza demais para a miséria, mistério demais para o nomeado que fizera-o gente e o dominara. Cada batida de pé na terra gelada vibrava em seus ouvidos o som desesperante da evasão que criara no fundo de si; elevava o ritmo das pernas machucadas por peregrinações de noites sem fim, quando tentava encontrar-se nos galhos rasgantes das árvores e abrandar o vazio de seus olhos com o ardor das lágrimas; corria contra o mundo e o tempo, e sabia não poder mover-se se quisesse verdadeiramente a hora de abrir-se à morte. Mas não o faria, pois se morresse, como o diriam que era? O conceito do nome o abismava e o defendia contra o destino, ele deixaria-se mergulhar nas águas interiores, mas em busca do ouro, da cidade perdida sitiada pelas trevas circundantes em seu estado natural de humano; afogaria desajeitado e obstinado sob si, desnudando-se para o novo imaterial e descrente das camadas do pensamento primordial do homem. Purificaria o sangue; a alma seguiria adiante. Sui generis. O chamamento que diria ser o seu em absoluta verdade consigo mesmo; a geografia palpitante de seu peito, revolta à vista do horizonte que nada atribuíra-lhe. Na corrida pela relva adornada de sombras e vozes, tudo o que estava à frente era unicamente a identidade do eu; enquanto mudo seguiria até o grito do mundo submerso; o filete d’água premiando a solidez do deserto e ele: Caleb, o sem nome; esperançado com a felicidade que invadiria-lhe no tal momento em que encontrasse o algo inominável para batizá-lo.