Um conto de João Victor Barbosa
João Victor Barbosa nasceu no interior do estado de São Paulo, em 1993. Formou-se em Letras e é professor de português, inglês e francês. Escreve prosa de ficção e já publicou alguns romances por conta própria.
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SURURU NA PRAIA GRANDE
Praia Grande, reduto da família tradicional brasileira nos fins de semana e feriados. Durante o dia, toda a extensão da praia está tomada por famílias, vendedores ambulantes e grupos de adolescentes. As crianças correm soltas, brincando na areia, enquanto o pai bebe uma cerveja meio quente e a mãe se besunta de protetor solar. Estão todos assados, mas ninguém sai dali antes das cinco da tarde, quando o sol vai ficando mais fraco e todo mundo começa a juntar as tralhas e ir em direção ao carro ou ao condomínio onde estão hospedados. A maioria é de turistas que descem a serra para passar o fim de semana ou feriado na cidade. Em frente à praia tem uma fileira de prédios de classe média que ficam cheios na temporada.
O sol então vai se despedindo do céu aos poucos, os vendedores se recolhem e as barraquinhas e quiosques vão fechando. Quando a noite já está posta, os bêbados vão surgindo lá e cá, e, com eles, os maconheiros em suas bikes. Mas o segredo está mesmo numa área mais afastada, no fim de uma rua sem saída que desemboca numa pequena trilha de chão de terra, cujo destino são as pedras dos flancos da praia, embebidas algumas com os golpes das ondas, submersas outras pela cascata verde das árvores que recobrem um morro ao lado das tais pedras. É ali que a mágica acontece. Nessa época do ano o local é bastante frequentado. Homens querendo vender ou comprar drogas, outros querendo apenas dar uns pegas. Há também os curiosos, que estão ali só para observar a movimentação. Os homens passam pela trilha e seguem em direção às pedras. E cada vez que as ondas batem nelas a areia mergulha num caminho sem volta. Os homens vão chegando e se perdendo na escuridão que cerca a vista daquele ponto pedregoso, um passo em falso e você se ralaria todo. Não é a primeira vez que eu venho aqui. Para falar a verdade, eu sempre venho, nos dias de bom movimento ou não, para tentar afogar a fúria sobrevivente do fim da semana. Eu fico um tempo na areia, de longe, observando quem entra e quem sai das pedras. Quando acho que a coisa vai ser boa, então eu vou. E nesta noite eu sinto que vai render.
Antes de seguir adiante, olho em direção à ruela atrás de mim, as casinhas no morro com a luz saindo das janelas abertas. Deixo a latinha de cerveja que tomei há pouco repousada na mureta na qual eu estava sentado até então. Com o pau latejando por baixo da calça jeans, vou caminhando lentamente, algumas vezes apertando o passo mas temendo o invisível. Quando enfim chego às pedras, tento localizar um rosto ou outro no meio do escuro, cuidando para que meu pé não deslize nas pedras menores que quase se afogam quando a maré as toca, projetando no domínio da noite aquele som de almas sendo reviradas dentro de seus corpos. Os vultos logo se mostram, mas ainda não consigo decifrá-los. Por ora, a espuma da água atinge meu sapato e sinto minhas meias se molharem geladas. Dou uma chacoalhada e, ao levantar meu rosto, vejo um homem parado à minha frente, apenas com uma bermuda, descalço, e com a camiseta pousada sobre o ombro direito. Ele esfrega o pau enquanto me encara. Mantenho o contato visual à medida que o homem se aproxima de mim até estarmos, eu e ele, respirando o mesmo fôlego. E num segundo seguinte também compartilhamos nosso suor e nossa saliva. Nossos braços se convulsionam corpo a corpo, e as pernas querem se fazer duas forças se entrelaçando confusas. Recostamo-nos em uma grande pedra e aceleramos a nossa respiração. Tiro minha camisa e deixo-a cair sobre as pequenas pedras no chão. O homem abre o zíper da minha calça e põe meu pau para fora, engolindo-o com um espumoso golpe de lábios e língua. Vai me chupando enquanto desliza suas mãos por todo o meu abdômen. Ergo a cabeça e fecho os olhos, deixando um suave gemido escapar da garganta, assim como se não quisesse se fazer notado, mas ansioso de sua fuga para fora da boca. Quando abro os olhos, vejo mais homens ao redor, alguns mais distantes, outros mais perto, uns sem camisa, outros completamente nus. Um rapaz pequeno se escora em cima de uma pedra enquanto fode um homem alto que está deitado de costas com as pernas abertas sobre uma pedra larga. Ao lado, outros três homens se beijam e se chupam sem se importar com outro homem que os assiste enquanto se masturba compulsivamente.
Minha barriga nua faz tremeluzir um sumo de suor que veio escorrendo direto do pescoço. Minhas pernas bambeiam, ao mesmo tempo em que fazem certo esforço para sustentar o peso do meu corpo. Quando ergo a cabeça e contemplo a luz da lua por trás das nuvens acinzentadas, crio pensamentos de horror, como se a própria lua fosse cair e espalhar por todo lado a água do mar, salpicada pela luz amarelada que se deita sobre o cobertor ondulado. Mas a escuridão retorna e nenhuma luz esboça a silhueta das grandes pedras. Logo, outro homem chega e começa a me beijar. Sinto nele o forte cheiro de suor e isso me excita ainda mais. E então estamos os três entre braços, línguas e picas. É como se a maresia e o odor do suor se agarrassem feito corpos desesperados na procura de uma luz, tateando as pedras com aquilo que o desejo urde num corpo suado e grudento. E em cada sexo a saliva estala, e os homens gemem numa espécie de coral silencioso. Um deles lambe meus mamilos enquanto o outro ainda chupa o meu pau, e depois vão se revezando. Eu empurro os dois e seguro um deles pelo braço, fazendo-o recostar os braços na pedra, e então empurro minha pica para dentro daquele cu suado. Ele franze a testa e deixa escapar um grito que não se faz por inteiro. Enquanto dou estocadas no cu do rapazola, o outro homem se gruda em mim e nós nos beijamos e cuspimos um na boca do outro. Em seguida, deito-me numa das pedras e o rapazola senta no meu pau. Ele se apoia no meu peito e começa uma cavalgada feral como os dentes da noite. O outro homem se aproxima e coloca sua pica no mesmo cu no qual vou dando minhas estocadas. As duas picas então se encontram dentro desse cu, esfregando-se grossudas e se pressionando num frenesi de molhadura, babando o líquido raso que se junta ao sumo que se faz dentro do cu.
Todos os homens se deliciam e, enquanto alguns já gozaram, outros se preparam para gozar. Alguns se ajoelham e se prostram de boca aberta para receber os jatos de porra que estão prestes a serem atirados das picas. Mas algo vem do céu antes que isso se realize. Um clarão, uma coisa que não pôde ser bem vista. Há também um som inescrutável que faz com que os ouvidos fiquem zumbindo feito abelhas sendo atacadas. E é aí que começa o corre-corre. Uns homens ainda se vestem para sair do meio das pedras, outros correm ainda pelados para a praia. Não se sabe explicar direito o que está acontecendo, e, caso se olhe para o alto, uma intensa luz em forma de arco parece cegar quem se atreve a fazer isso. Estão loucos, uma loucura coletiva, é o que se pensa, já haviam lido sobre isso em algum lugar, que as pessoas podem delirar em conjunto e ver coisas, alucinarem. E então um baque surdo faz o chão tremer como se alguma coisa estivesse saindo do lugar, ou como se uma árvore tivesse caído do alto do morro. Não, uma árvore não seria suficientemente grande para causar aquele impacto e estrondo. De repente, como num instante fora do tempo, as luzes que cegavam começam a piscar, e um zunido parece vir de cada uma delas. Os homens correm loucos e se atiram na areia, gritam e choram. Um se caga dentro d’água. Outro se ajoelha e começa a pedir perdão em direção às luzes.
Nesse exato momento, um a um, os homens começam a ser sugados pelas luzes que não somem do céu enquanto todos ali não tenham sido tragados para dentro do desconhecido luminoso. E então, com a mesma ausência de sentido com a qual havia se pronunciado, tudo escurece e a noite volta a ser a mesma noite de antes. E a praia se mantém quieta e deserta, a não ser pelos estrondos das ondas na arrebentação.
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