Um conto de Marie Newman
Marie Newman é uma mulher transexual nascida dia 13 de setembro de 1991, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Filha de pai australiano e mãe brasileira, foi criada dentro da doutrina católica pela família de sua mãe. Aos 18 anos ganhou o mundo, foi morar em Paris e conheceu ao todo 27 países entre América, Europa e Ásia. Seu primeiro livro chama-se o O Poder do eu, a teoria do universo segundo John Newman, livro escrito antes de sua transição, no qual conta sobre sua experiência com uma erva xamânica brasileira e o dmt, substância psicodélica que mudou sua vida. Além disso, é também autora da coleção Projeto T., o diário de uma mulher trans em transição, onde narra todo seu processo de transição e adaptação a uma nova vida, exprime sobre o preconceito que enfrenta e as dificuldades de se adaptar ao mundo. Além de escritora, também é atriz, aspirante a jornalista, roteirista formada e dona do canal do YouTube, Gata Marie OnLine.
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Gata Marie, uma travesti em apuros
Olá, prazer, sou Marie. A gatinha Marie, ou será que a gatona Marie? Ou talvez o gatão? Para muitos, sou uma aberração. Para minha família, sou o desperdício, o problema… O menino inteligente, mas que sempre fora mais delicado que todos. Está aí “delicado”, palavra curiosa, a mim delicado remete zelo e cuidado, à sociedade é um eufemismo para veado, gay, bicha, homossexual. E eu dei um passo além, sou transviado, transexual, traveco, travesti, invertido, assumido ou o que vocês queriam falar. Para mim sou só uma energia diferente habitando o corpo inverso, infelizmente vim com esse defeito de fábrica. Ou será uma qualidade? Talvez o mundo comece a se preparar para que não tenhamos mais um sexo definido. Pois, afinal qual será o sexo dos anjos? E dos demônios? Numa sociedade católica sou vista como um monstro, o terror das criancinhas, já no hinduísmo sou o símbolo da prosperidade, o terceiro sexo. O ser completo que se permite transitar entre os dois mundos, masculino e feminino. A evolução da espécie, ou será a regressão? Com certeza sou uma transgressão. A única coisa que eu sei é que sou feliz. E nossa, como a felicidade incomoda. O gay é feliz, alegre, é para cima, quando morre vira purpurina. E as sapatonas? Quando morrem será que virão um borrachão? Mulher macho que vira homem é mesma coisa de cabelereira do Zezé e do lobisomem…
Aí aí, veado é carnaval! E travesti é destaque. E quem não gosta de Carnaval não é mesmo? Como é bom ser feliz, pular, se divertir, sem culpa, sem receio de nada, sem se preocupar com o amanhã. Como é bom beijar na boca, transar, se embriagar e dançar… Como é bom ver gente bonita, se arrumar, soar, rebolar e pular. Aí que delícia seria se o no todo fosse Carnaval. Quando o mundo todo se junta para festejar a alegria. Ninguém é de ninguém e o preconceito é varrido para debaixo do tapete. Só que aqui em casa o tapete é felpudo com bordados em veluda, lantejoulas e glitter. Aliás, o que é casa de bicha? Cheia de frufrus, detalhes, excesso de decoração. Um exagero, uma cafonice, a gente sabe que o veado deu certo quando parece que o Fred Mercury explodiu lá dentro. Imagina a casa de uma travesti como não deve ser? Agora por incrível que pareça a de todas que conheço é de muito bom gosto, o que nós externalizamos em feminilidade nos nossos corpos, cultivamos de requinte entre quatro paredes. Vocês podem até não gostar, mas todo mundo sabe que travesti é sinônimo de beleza. Travesti é modelo de rua, é fazer mágica com 50 reais, é esconder a barba com maquiagem, fazer a sobrancelha com a gilette, jogar todo tipo de produto no corpo e moldar as curvas esculturais, símbolo do desejo. O início da trans é deixar o cabelo crescer, colocar espuma no peito, espuma no quadril, reboco na cara e encarar a sociedade de cabeça erguida. Sendo apontada por todos, desejada por muitos e desrespeitada por vários. É rir da miséria e transformar casca em banana. Na rua, o escritório de trabalho de uma travesti padrão é cada um por si e o Diabo por ninguém. Um ponto de prostituição é poço do pecado, de injúria, pederastia, de tudo aquilo que é errado, do escuro do mundo. Mas é o que dizem tudo no escurinho é mais gostoso.
Eu adoro pecar, sou uma pecadora convicta e que Deus não me escute. Nasci com uma alma de artista e como qualquer artista eu gosto é de aparecer, de brilhar, de ser reconhecida, aplaudida e elogiada. Agora pensem numa artista travesti, eu sou é um instrumento do pecado, mas sabe o que é engraçado, é que o cara lá de cima me ampara. (Nesse momento GM puxa a cadeira da penteadeira, abre as pernas e se senta da forma mais sexy possível apoiada nas costas do móvel). Sinto sua energia vibrando e tenho uma conexão direta com Ele. Tenho também a sensação de que me acompanha a energia de Maria Madalena, não digo que era a puta mais antiga e conhecida, porque essa foi a Eva que se vendeu a cobra por uma maçã e caiu no mundo sendo expulsa do Paraíso. Burro foi Adão que correu atrás do rabo de saia e tiveram logo 2 filhos, um matou o outro e assim começou essa palhaçada toda jaz conhecida como humanidade. Agora, voltando à Maria Madalena, que atire a primeira pedra aquele que nunca morreu por amor… Até Jesus morreu por amor, para livrar o pecado do mundo , o problema é que ele era humano, e com certeza apaixonado por Mada, mas abriu mão do seu amor por nós e provou que temos salvação. O homem e a mulher, mas agora será que a travesti tem salvação? Perguntemos à Mona Lisa, a traveca mais famosa de todos os tempos, seu quartinho no Louvre com certeza é o mais visitado de toda Paris, quem sabe do mundo. Já estive lá e é um quadrinho mequetrefe, mas com uma energia singular, o que fascina tanto é o mistério de Gioconda. Afinal, aquela pessoa era um homem ou uma dama mulher? E por que alguém como da Vinci, pai da aerodinâmica, era tão apaixonado por uma beleza padrão? Olhos castanhos, pele branca, cabelos crespos, traços normais… A meu ver nenhum recessivo ou beleza angelical, apenas um retrato feito com amor. Eternizando para sempre a face daquele ser, e gerando questionamentos ao longo de séculos e séculos. Afinal, Mona Lisa seria um homem ou uma mona? Dialeto travequês para uma travesti chamar a outra, um mix de pajubá com português… Quem vê de fora, até imagina que somos uma tribo de adoração ao Satã. O problema é que só nos veem por fora…
Travesti é obra do demônio. Traz consigo a luxúria masculina, mas despertam a cobiça feminina. São invejosas por natureza, não aceitam as mulheres cis, todas têm recalque. Cobiçam sempre o que é do outro e vivem de tirar que você tem de maior valor, sua dignidade. São preguiçosas… Aquelas vagabundas! Dormem de dia e trabalham à noite, sempre avarentas, têm o espírito da ira atrelado a sua personalidade. Gostam realmente de uma confusão à toa. Meu bem, para trabalharmos na rua temos que saber karatê, judô, jiu-jitsu, maytay e até mesmo sumô se a bicha for muito encorpada. Ficar em pé na chuva, tentando se vender, não é para ninguém. A prostituição é a segunda profissão mais antiga do mundo, porque depois de comer, nós precisamos foder. Entenderam que a primeira é do caçador e, sinceramente, acho que as duas andam juntinhas porque me sinto numa selva quando desço na pista para trabalhar.
Meu bem, se brasileiro é considerado tupiniquim, travesti é tupinicausmini. Terminamos todas as palavras com o sufixo ausmini e para tudo temos um sinônimo. Negro é dundi, e haja macumba…
Oxi oxi oxi
Maria Navalha chegou para explicar
Olho grande é ojum, e o que é bonito é para invejar.
Quando mandarem gizar é para correr, se não vai apanhar.
Agora travesti não apanha e é por isso que vou te grudar.
Opa, gente, o que houve, que close errado foi esse? Melhor fazer a egípcia e sair de fininho do que ser katiada pelas carudas ou humilhada pelas tiranas. Aliás, travesti não é veadinho e se falar ao contrário vai ser o atraque. Eu sou filha de mãe Luana e que ela descanse em paz, está pensando que travesti é bagunça? Mexe comigo que a minha pomba-gira te come na macumba, porque eu carrego comigo a cigana que trilha Norte, Sul, Leste, Oeste.
É difícil estar de bem com seu Zé, Zé Pilintra, pai dos cafajestes e conquistadores. Exu com Exu só pode dar confusão, em festa de Centro, só com muita cachaça para morte não sair. Entendam que muitas energias nosso corpo carrega e que devemos nos cuidar, quando trabalhamos na rua sabemos que a mais próspera não é a mais bela e sim a que melhor se cuida. O axé vem da reza, mas sem querer ser do contra, será que se tivesse axé mesmo estava na rua? Eu ando acompanhada de Oxum e Bessém, tenho Pomba Gira Cigana e seu Zé vive brigando comigo, porque não aceita me amar. E como é difícil esse negócio de amor. Homem de puta, boa coisa não é, malandro que é malandro sabe manter a mulher em casa e as vagabundas na rua. Quando se apaixona foge do amor porque não quer se prender. Para eles, namorar é meter sem se envolver, o que importa é o dinheiro que puder arrancar. Porque sexo não é trabalho, é prazer e se ilude quem pensa que só com sexo não dá para ser. O ideal é se afastar para não sofrer. Porque homem só vale quando você tem algo a oferecer. Amor, dinheiro ou prazer.
Felipe
👏👏👏👏👏
A rEalidade que mtos desConhecem,. Mto bem Descrito e escrito . Parabens por sua ”coragem”. Continue fIrme sempre na direcao do que te faz feliz e nao do que talvez “faca” os oUtros feliz ! Mesmo pq estando feliz , fazer o outro feliz fica bem maIs facIl! Sucesso!