Um conto de Marília Bonna
Marília Bonna está em algum lugar entre o Rio de Janeiro – onde nasceu – e o Mato Grosso, onde foi criada. Habituada a fronteiras, também na literatura gosta de estar entre a poesia e a prosa. É, hoje, mestranda em Estudos Literários pela UFMT, onde estuda literatura, coleção e memória, essas coisas remotas.
***
Pedro não está
Seria Pedro, não Olívia. É um palpite. Olhos de Augusto, riso de Alberto, pés de Caio. Pés de Caio, certamente: vacilantes, subindo a Joaquim Murtinho para me ver. Gostava de caminhar, o Caio. Caminhou para tão longe, nem sei. Não tive mais notícias dele, mas acho que não se casou – gostava muito de partir dos lugares, de estar de saída. Pedro seria assim, eu acho. Quase consigo me enxergar, sonâmbula, sempre esperando Pedro voltar de não sei onde. Pedro voltaria e acharia engraçado meu zelo, sorriria para minha aflição. Noite após noite. Acho que, se houvesse Pedro, eu estaria mais magra, os cabelos mais brancos. Talvez fumasse mais. Pedro entraria pela sala e sorriria, para minha aflição, um sorriso de Alberto.
Alberto ria de tudo, sobretudo da minha aflição. Isso acabava comigo, Alberto rindo. Ele riu quando eu falei que não queria Pedro, duvidou de mim. Disse que me imaginava fazendo Pedro dormir, tão bonita. Era um tempo em que isso bastava para me tirar do sério. Eu não queria Pedro, e Alberto achava engraçado. Foi por isso que ele foi embora, por rir. E foi um pouco por isso que Pedro não veio: porque, eu sinto, teria no rosto aquele sorriso do Alberto, que debocha da gente. Imagino Alberto me olhando agora, da janela de seu apartamento no Jardim das Américas, debochando. Eu aqui, sozinha, na casa mesma da infância, as paredes mofadas, no Porto. Sem Alberto. Sem ninguém para rir dos meus fracassos, da minha felicidade. Sem ninguém para perturbar a minha paz de mulher sem Pedro.
Desde menina, soube que seria Pedro. Acho o nome bonito. Se houvesse Pedro, definitivamente, ele teria os olhos de Augusto. Os olhos eternos de Augusto. Não me lembro muito de Augusto, mas me lembro dos olhos: ele me olhava com devoção, do jeito que mais tarde imaginei que Pedro me olharia. Mas Pedro nunca olhou. Nem para mim nem para nada: Pedro não tem olhos.
Há muitos anos, quando eu soube que Augusto ia se casar, perdi a noite de sono, como viria a perder mais tarde por Caio e por Alberto. Por Pedro, nunca. Nunca perdi uma noite de sono por Pedro. Nunca perdi uma noite de festa por Pedro.
Não sei se é bom ou ruim o fato de saber que jamais alguém ligará para minha casa perguntando por Pedro, e que jamais terei de responder que não, ele não está. Eu estou sozinha.
Caio ribeiro
Que texto lindo! tem uma delicadeza selvagem, como é. poesia linda de tão bonita!
Pingback: Divanize Carbonieri – Site Oficial Um comentário de Marília Bonna - Divanize Carbonieri - Site Oficial