Um conto de Rafaella Elika Borges
Rafaella Elika Borges nasceu em 13 de junho de 1995 e cursa Psicologia na UFMT. É autora da coletânea de contos Me LiterAtura, publicada pela Editora TantaTinta. Tem um conto publicado na coletânea Beatniks, Malditos e Marginais: Literatura na Cidade Verde e outro na antologia O Mistério das Sombras. Amante da cosmologia, ciência, filosofia, literatura, cinema, música e arte. Seu hobbie é ler os desejos e segredos mais obscuros das pessoas e depois publicá-los em forma de conto, ocultando a real personalidade dentro de uma personagem fictícia (até parece, diz a escritora).
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Rota 66
Pedi vinte e cinco dólares de gasolina e fui manusear a bomba depois. O relógio já marcava vinte e quatro dólares de combustível e eu estava sem pressa para sair naquela noite, quando, de repente, um sujeito esguio e frenético de olhos azuis claros e cabelos e barba queimados pelo sol encaixou a ponta de um revólver RT 838 no buraco de minhas costelas. Se eu sabia que era uma RT 838? Claro, o cano era fino e do jeito que ele me ameaçava devia ter uns oito disparos e estar totalmente carregada. O sujeito devasso fez hematomas leves nas minhas costas com a ponta daquele cano fino e me levou até a direção de minha caminhonete. Sua saliva respingava em minha orelha direita enquanto ele gritava para eu acelerar e pegar a rota 66. Estávamos em Oklahoma, e o vadio me mandou dirigir até St. Louis com vinte e cinco dólares no tanque, não pude fazer nada além de fingir ter combustível o suficiente para ir de um estado até outro. Engatei a primeira marcha e entrei na estrada, o maldito estava com a RT 838 apontada para a minha cintura e olhava toda hora para trás, suava como um porco e lambia os lábios rachados a todo momento, sua respiração era ofegante e sua mão tremia no revólver. Algum tempo se passou e a caminhonete demonstrou estar sem combustível e eu comecei a ouvir um bando de sirenes e, quando olhei pelo retrovisor, avistei uma viatura perseguindo meu carro, inevitavelmente a caminhonete foi perdendo a força e o vagabundo, em um súbito de adrenalina, abriu a porta e pulou do carro ainda em movimento e sumiu entre a flora rasa e seca perto do acostamento. Eu fiquei tão extasiado com a situação que não avistei o caminhão que vinha na direção contrária. Meu carro não estava alinhado, então meu lado estava por inteiro na outra pista. Sem combustível, em pânico e com um hematoma de revólver nas costas, o caminhão atingiu em cheio meu lado, eu senti a caminhonete ser arrastada uns cinco metros antes de perder a total consciência. Depois de três dias em coma, acordei com dois policiais e um Oficial de infantaria da minha brigada ao lado da maca. Eu estava cheio de fios e usando uma daquelas roupas azuis de pacientes terminais, meu estado era péssimo, eu não conseguia falar e nem mexer meus braços, minha cabeça doía e piscava o olho direito e em outra fração de segundos o esquerdo, minha boca estava inchada e eu respirava com dificuldade. Os policiais falavam, falavam, falavam e eu não conseguia entender uma palavra sequer, meu Oficial somente olhava meu péssimo estado estirado naquela maca com um olhar de pena, como se quisesse dizer alguma coisa, mas não pudesse. Uma semana se passou e eu já conseguia comer e mexer meus braços com certa limitação, meus olhos continuavam a piscar em tempos diferentes, mas eu havia melhorado. Fiquei durante alguns meses no hospital e me deram alta em seguida. Já conseguia andar e falar com dificuldade, meu Oficial me colocou no carro e disse que estava conversando com a polícia e que talvez eu fosse preso por ser cúmplice do suposto rapaz que me deixou assim e que talvez perdesse meu posto de atirador-franco por causa de meu estado atual. A polícia estava atrás daquele sujeito há anos, pois ele estava envolvido em tráfico internacional de armas pesadas e drogas, durante alguns meses ele foi visto perambulando por aquele posto e, naquele dia, a polícia o seguiu e infelizmente ocorreu meu descaso. Minha raiva atingiu o ponto máximo, as pessoas olhavam meu rosto como eu seu fosse um monstro e estava prestes a perder meu emprego por causa de um desamado filho da puta. Depois que cheguei em casa, a primeira coisa que fiz foi pegar um fuzil calibre 50. Seu cartucho tinha vinte centímetros de comprimentos e o estojo tinha dois centímetros e meio de diâmetro, era lindo. Com um projétil de meia polegada e uma polegada e meia de comprimento, eu poderia estourar qualquer cabeça, mas já havia escolhido uma. Todas as noites eu acampava uma pequena colina a mil e duzentos metros do posto onde o maldito frequentava, ficava ali até amanhecer, na esperança de que visse seus olhos azuis e mirasse bem no meio deles. Minha boca aberta escorria saliva, meus olhos lacrimejavam e minha respiração era lenta e longa. Eu acompanhava todos os carros que encostavam e abasteciam, esperava o desprezível libertino com as pupilas dilatadas na luneta. Depois de um mês de rotina incessante, o desprezível apareceu para abastecer seu suposto carro de luxo roubado ou comprado com um dinheiro mais sujo que seu próprio traseiro. Eu mirei no meio de seus dois lindos olhos azuis, mas resolvi deixar que morresse queimado pelos seus próprios erros. Disparei um tiro na bomba ao seu lado. Ele estava lá todo errado, na hora errada, no dia errado, com o inimigo errado e agora com a alma e o corpo todo desfigurado.