Um conto de Stéphany Jd. Hanse
“Meu nome é Stéphany Vitória Jardim Hanse, tenho 20 anos e curso Cinema e Audiovisual na UFMT. Comecei a escrever com 12 anos, em poemas para minha avó e amigas da escola, e continuo escrevendo até hoje. Minha paixão por essa arte me incentivou a entrar na faculdade de Audiovisual, com o intuito de, no futuro, adaptar histórias LGBTQ+ para as telas de cinema”.
***
Efeito Borboleta
– Você sabe quanto tempo vivem as borboletas?
Era um fim de tarde estranhamente fresco na capital. Sabrina e Pandora tinham se reunido com alguns amigos no bar de sempre, bastou uma troca de olhares e de palavras e decidiram ir embora, então, depois de uma hora e alguns minutos dirigindo aparentemente sem rumo, estavam estacionadas na fronteira da cidade grande com a área rural, o destino entretanto era a chácara onde a avó de Sabrina morava.
Pandora não pode se conter e oferecer uma carona. Ela estranhamente queria estar sempre por perto da garota e não sabia exatamente o que a puxava para perto.
– Você ainda tá bêbada? – A morena perguntou num riso breve, olhando rapidamente para o perfil da menina ao seu lado. Estavam deitadas em cima do capô do carro escuro da guitarrista, admirando as estrelas e as poucas nuvens que desenhavam o céu.
Sabrina riu e empurrou o ombro alheio balançando a cabeça negativamente ao que a risada de Pandora preenchia o ambiente.
– Estou falando sério. Se não souber é só dizer, não é como se isso fosse ser uma surpresa pra mim, afinal, você reprovou em biologia, não foi? – Brincou, e logo sentiu um peteleco na testa.
– Escuta aqui, eu tinha 14 anos e não gostava nem um pouco de plantas ou coisas do tipo. – Pandora se defendeu e suspirou. – Sei lá… Quanto tempo elas vivem? Um, dois anos?
– Duas semanas, mais ou menos. – respondeu, calma. – É uma média.
– Poxa…
– É… – Sabrina suspirou e fechou os olhos. – Você já conheceu uma Pessoa-Borboleta?
– Como funciona isso?
– Pessoas-Borboletas são… Pessoas que aparecem na nossa vida, nos dão algum ensinamento e então vão embora, porque o tempo delas é curto demais para que fiquem mais. – Sabrina explicou, pausando a fala para se certificar que Pandora estivesse prestando atenção. –Borboletas estão sempre voando e colorindo jardins aleatórios, já percebeu? Elas nunca, nunca param, porque não tem tempo para isso. Mas mesmo tendo uma presença tão curta na vida das pessoas elas ainda são notadas pela sua beleza, pelas suas cores, pela sua calma ao ir de flor em flor, pegando o melhor delas pra transformar outras. – ela suspirou, fechou os olhos, e então os abriu, focando as íris douradas no rosto imponente de Pandora, que a observava atenciosamente. – Acho que Pessoas-Borboletas são assim. Elas não tiram de nós o nosso melhor e dão para outras pessoas, mas nos mostram como podemos fazer isso nós mesmos.
As duas garotas olhavam o céu, descobrindo sem querer o nascimento e a morte de estrelas que ninguém nunca saberia o nome.
– Desculpa, acho que ainda tô bêbada sim.
– Eu conheci um Menino-Borboleta, uma vez. – Pandora falou com calma e com aquele tom de voz que Sabrina já conhecia.
Beirava a melancolia, e no instante seguinte a garota ao seu lado estava presa nos próprios pensamentos e lembranças, longe demais para ser alcançada. Às vezes Sabrina achava Pandora inalcançável.
– Eu era uma criança, e ele um bebê, um priminho que eu amei desde a primeira vez que botei os olhos. E, sério, ele tinha os olhos mais lindos que eu já vi na vida. Azuis, mas não um azul qualquer, era um azul… Azul borboleta. – Ela riu fraquinho, mas o riso não chegou aos seus olhos, a loira percebera. – Eu era muito apegada nele e o adorava, acho que ele até sentia o mesmo por mim, mas não tive a oportunidade de saber antes do tempo dele acabar.
Pandora respirou fundo e abriu a boca para continuar a frase, mas nada saiu. Não demorou nada para que os dedos sempre gelados de Sabrina se enroscassem nos seus, lhe dando um tipo de suporte mesmo sem que lhe fosse pedido.
Ela apenas queria mostrar que estava ali.
Porque gostava de estar, mas também porque quando os olhos de Pandora brilhavam daquele jeito que invejava o céu estrelado e pareciam querer escorrer pelo rosto bonito da garota, ela sempre se perdia no universo particular da morena e era bom saber que alguma coisa ainda a prendia no planeta Terra.
– Sabe, quando vi minha irmã pela primeira vez a primeira imagem que veio à minha cabeça foi uma borboleta azul. Mas não uma daquelas grandonas, uma pequena e delicada borboletinha azul de asas arredondadas. – Sabrina disse com calma e com o habitual sorriso nos lábios, aqueles que nunca passavam despercebidos de Pandora. – Acho que eu sempre a vi como a minha borboletinha. Eu sei que em muitas coisas ela vai ser mais forte do que eu, e que vai saber lidar com a nossa mãe bem melhor do que eu fiz, mas ainda assim, penso que ela é uma continuação de mim, um pedacinho que faltava para que eu e minha mãe tivéssemos algo em comum, entende? Eu e ela sempre nos demos bem, mas faltava algo. Faltava a Juju.
Ela sorriu, como se lembrar do rostinho pequeno de delicado da irmã servisse como um cobertor quente a protegendo da brisa gelada que passou entre as duas confidentes, bagunçando seus cabelos e obrigando Pandora a retirar poucos fios das bochechas geladas de Sabrina, que estranhamente se sentia quente apenas tendo a veterana como companhia. Era reconfortante, afinal de contas.
– Não acho que ela se encaixe na Teoria das Pessoas-Borboletas, mas se encaixa no Efeito Borboleta e sendo assim, ela é a minha Menina-Borboleta. – a loira disse.
– Quer explicar pra mim? Gosto da sua voz. – Pediu baixo, e se aproximou um pouco mais, com cuidado para não arranhar o carro e mais cuidado ainda pelo receio de acabar afastando sua companheira de teorias. – Está ficando frio, quer entrar no carro?
– Não, quero passar frio com você. – Sabrina sorriu e a olhou nos olhos.
Era jogo baixo, Pandora pensou, dar a uma criatura tão pequena poder o suficiente para fazê-la congelar e pegar fogo apenas com os olhos. A mais velha assentiu e Sabrina continuou a explicação.
– Acho que todo mundo conhece o Efeito Borboleta, certo? Uma simples e pequena coisa pode causar um problemão no futuro, ou apenas uma mudança drástica na vida de milhares de pessoas. – a mais nova mordeu os lábios, e continuou. – Pra mim é como se a Julia fosse a borboleta e, bem, não sei ainda qual o efeito que ela vai ter na minha vida, mas sei que nada mais é o mesmo. Antes eu passava pela padaria, comprava os pães que minha mãe pedia e ia para casa sem olhar para trás. Hoje, se vou à padaria sempre presto atenção para ver se o bolo de chocolate já acabou ou se ainda tem pelo menos mais três pedaços, porque a Juju não come o último pedaço de nada, é uma fresca!
A loira riu enquanto olhava para as estrelas e então encarou os olhos atentos de Pandora, que a fitavam. De alguma forma, quando os comparava, o céu sempre parecia opaco. Pandora tinha galáxias dentro dos olhos cor de mel. Sabrina tinha vontade de se aproximar mais, mas como poderia? Estar perto da mais velha era como ser um astronauta sem uniforme. Pandora lhe deixava sem ar.
– Acho que, de alguma forma, todos acabamos sendo Pessoas-Borboletas na vida de algumas pessoas, não acha?
A guitarrista, mordeu os lábios e franziu as sobrancelhas enquanto pensava. Talvez estivesse certa. Sabrina tinha a mania de deixar Pandora, tão acostumada a saber falar sobre tudo, sem palavras. Ela ainda não sabia dizer se amava ou odiava o efeito que estar por perto dessa garota peculiar lhe causava.
– É, acho que sim.
– Provavelmente, certo? – concordou por fim, ouvindo ambos os suspiros preencherem as lacunas deixadas pela falta de palavras. Não precisavam delas. Suas mãos ainda estavam juntas.
Em silêncio, aproveitaram da presença uma da outra, observando a imagem da imensidão que lhes era oferecido pela falta de luz da cidade, pequenos pontinhos brilhantes no céu iluminaram a cena seguinte. Duas garotas, presas em seus próprios pensamentos se aproximaram, pedindo pelo aconchego de um abraço.
Sutil, mas tão íntimo quanto um segredo contado aos sussurros. Não precisavam dizer nada pois seus corpos as entregavam. As mãos entrelaçadas faziam carinhos delicados nos dedos alheios. Os fios de cabelos se misturavam em cima do vidro do carro.
Quando se olharam, viram por pouquíssimo tempo o próprio reflexo antes de tudo virar escuridão, e então, fogos de artifícios. Pequenas chamas lhe esquentando as bochechas e formigando as pontas dos dedos quando os lábios se encostaram lentamente, saboreando o gosto das mil e uma borboletas que voavam em seus estômagos.
Sabrina gemeu em deleite pela temperatura que inundou seu corpo quase sempre tão gelado, e Pandora a trouxe para mais perto, pois sentia falta da brisa gelada que as abrigara a pouco tempo, agora só se sentia borbulhar. A palma quente da guitarrista segurou o rosto claro da loira, acariciando o local antes de se afastarem e sorrirem uma para a outra. Sabrina olhou para baixo e mordeu os lábios intimidada, ainda que não houvesse segredos entre as duas que não pudessem ser ditos em voz alta ali, em cima daquele capô na fronteira da cidade grande com a área rural.
– Eu tenho uma borboleta, você sabia? – comentou como quem não quer nada, um misto de ansiedade e nervosismo escorrendo de suas palavras sem que a outra garota percebesse.
– Uma borboleta? Tipo, uma de estimação ou algo do tipo? – Pandora perguntou visivelmente interessada e confusa. Sabrina riu.
– Eu a tenho aqui, comigo. – pausou e esperou pela reação da mais velha, tendo apenas olhos confusos como resposta. – Aqui. – murmurou.
A mão retirou a palma quente que estava em seu pescoço e a passou por sua clavículas e por cima da corrente de prata com o pingente de rosa que ganhara de Katarina em seu aniversário de 17 anos, para enfim parar em sua cintura, por debaixo da blusa colada que usava.
– Conte até três. – pediu e teve a resposta que queria, os olhos mudando de brilho, as intenções se mostrando lentamente.
– Um… – Pandora murmurou enquanto tinha os dedos passando pela cintura da garota do seu lado com calma. – Dois… – debaixo dos dedo de Pandora, as costelas de Sabrina pareciam esculturas de marfins escondidas por uma fina camada de veludo. – Três. – concluiu e sentiu seus dedos tocarem traços finos acima das costelas da garota, que seriam quase imperceptíveis se ela não estivesse tão focada em cada respiração alheia pelos últimos minutos. Ela era curiosa, e a caloura era uma incógnita.
– Eu deveria saber o que tenho sob os meus dedos?
– Bom, você me tem. – Sabrina disse, a timidez lhe faltando enquanto a olhava nos olhos. – Mas se quiser saber os detalhes, eu posso te mostrar melhor, dentro do carro.
Pandora sorriu, mas não por muito tempo. Seus lábios encontraram traços mais interessantes para percorrer pelos minutos que passaram em cima e dentro daquele carro apertado, e durante toda a aventura, apenas um pensamento lhe foi tido como certeza.
As borboletas em seu estômago e o Efeito Borboleta faziam todo o sentido quando Sabrina estava em seus braços, mas ainda assim, ela não era uma Pessoa-Borboleta em sua vida.