Um conto de Taylane Cruz
Taylane Cruz é escritora e jornalista formada pela Universidade Federal de Sergipe. Autora dos livros “Aula de Dança e Outros Contos”(Infographics, 2015), A pele das coisas (Contos, Multifoco, 2018) e O sol dos dias (contos, Editora Penalux, a ser lançado no início de 2021). Taylane já colaborou com antologias como Senhoras Obscenas (Editora Benfazeja, SP) e Golpe: uma antologia-manifesto (Editora Nosotroseditorial, SP). Em 2019, participou do Fliaraxá como uma das escritoras convidadas para a mesa “Mulheres extraordinárias”, ao lado de várias outras autoras; a mesa teve curadoria da filósofa e escritora Márcia Tiburi. Criadora do projeto ENTRE A PELE E A PALAVRA: vivenciando a escrita de autoras negras. Foi uma das autoras convidadas para o Arte da Palavra 2020, circuito literário do SESC, considerado o maior do país; o circuito leva autores de todo o Brasil para uma temporada de encontros e debates sobre literatura.
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Lábios vermelhos
Não sei mais o que dizer à senhora, Dona Jô. Faz horas que estou sentada nessa cadeira, não me assuste mais do que posso suportar. Há limite para tudo, mesmo alguém grande como eu, mesmo assim sou alvo fácil. O coração pode até ser forte, mas humilhação assim quebra os ossos, faz o estômago se contorcer. Já falei mil vezes, já jurei. A senhora me entristece. Não me olhe assim, abra a porta, me deixe sair. Não me torture como se eu fosse um bicho. Tantos anos trabalhando nesta casa, tanta confiança já passei. A senhora sabe que pode confiar. Por que agora não presto mais? A senhora sempre disse que sou parte da família, que somos como irmãs separadas apenas pela cor dos olhos, que fomos feitas uma pra outra. Esse tipo de coisa não se faz com uma irmã. Eu prometo que ajudo a descobrir quem foi, mas abra a porta, me deixe sair que tenho pânico de escuro. Sabe que sou assim desde menina, a senhora me conhece, a gente nunca brincou dessas coisas, a senhora até ralhava quando alguém tentava me assustar. Me protegia, lembra? Por que faz isso agora? Por que me trancou aqui se sabe como ninguém do meu ponto mais fraco? Já perguntou pra os meninos? Sabe que eles são uns diabos que vivem aprontando. Eu não sou culpada, no fundo a senhora sabe, tá fazendo isso pra me torturar. Não é justo, me fez jurar de pé junto e eu jurei. Agora não acredita em mim. Minha palavra sai da boca feito fumaça, a senhora nem se importa, assopra, faz sumir. Aí agora me olha desse jeito acumulado de ódio como se eu fosse uma cobra perigosa. Não sou perigosa, Dona Jô, sou gente, nada é mais frágil do que isto. Não me torture mais, mais um pouco e vai me quebrar como um copo de vidro. A senhora não vai falar nada? Não vai mesmo me deixar sair? Oh Dona Jô, encerra este assunto, deixa eu ir pra casa, amanhã eu volto e a senhora vai ver tudo melhor com a cabeça clareada pelo dia. Tudo isto é medo da cor da minha pele? Não balance a cabeça assim, Dona Jô, não me negue a porta de saída que eu não posso assumir coisa que não fiz. Mas se eu tivesse feito a senhora podia tentar entender. Às vezes se age na inocência, inocência ainda é coisa que existe. Se por acaso eu tivesse feito o que a senhora acha que eu fiz poderia ter sido sem maldade. Eu sei que parece coisa grave, traição, facada pelas costas; sei que duvidar é mais fácil, faz a senhora ficar mais forte, acreditar em inocência amolece e o coração da gente precisa resistir neste mundo de cão. Mas a senhora não seria capaz de entender a alegria de uma cara de menina no espelho com a boca pintada de batom? A senhora não lembra quando brincávamos juntas na penteadeira da sua mãe e melávamos o rosto todo, estalávamos beijinhos vermelhos que voavam como borboletas? Não estou dizendo que fui eu que roubei o batom, eu nem saberia tocar objeto tão caro, sei que tudo da senhora é de luxo, mas se eu tivesse roubado a senhora seria capaz de entender que não foi por maldade? A senhora parou de acreditar em borboletas?
CLEILDES Santana
Lindo Tatiane,
Eu ainda acredito piamente nas borboletas ! Risos .
Um beijo e obrigada pela sua poesia . Que venham Mais e outras Com muitas e muitas borboletas , de todas as cores e estilos.