Um conto de Tessi Ferreira
Tessi Ferreira, nascida em Mauá, é atriz, palhaça e escritora. Em 2019 teve o seu livro de crônicas Campo Minado publicado pela editora Letramento. Atualmente cursa Bacharelado em Ciências e Humanidades pela Universidade Federal do ABC e integra os grupos de teatro e circo: Teatro de Trincheira e Trupe Las Manas.
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Solo
Há um terreno. Um enorme terreno descampado sem absolutamente nada. Para onde quer que se olhe, é como um deserto, não é possível avistar o começo ou o final de coisa alguma. A grama é rasteira e o solo é fértil. A terra é fofa e na sola dos meus pés abrem-se fendas por onde meus músculos saem e se agarram à terra. Eu estou parada e ereta. Os meus pés imóveis. Há um pesar de água nos meus olhos e uma adaga atravessada em minha garganta. Os meus ombros estão pesados. O vento corta meu rosto como minúsculos caquinhos de um vidro que se quebrou há quilômetros de distância. O vento perpassa minhas pernas como crinas de cavalo. Eu quero deitar o meu rosto nessa terra, mas não posso. Eu quero apoiar os joelhos nessa terra, mas não consigo. Estou inerte e isso me corrói. Corrói todo o meu tecido e eu sinto calafrios.
A terra ainda espera para ser remexida, cultivada, sementes esperam para serem plantadas, a água está pronta para penetrar o solo. Eu simplesmente não consigo decidir a melhor hora. Não sei por onde começar. Se eu me enterrasse nessa terra poderia aquecer esse corpo que sente tanto frio. Contudo, não tenho forças para cavar. Continuo olhando para o terreno que também olha para mim. Todo impulso parece inútil. Todo movimento parece mal calculado. Todo tempo parece me engolir. A poesia não consegue dissipar a literalidade dos fatos que me envolvem e me esgotam.
Agora já é noite e eu ainda estou exatamente no mesmo lugar. Meu maxilar está tensionado como nós de cordas que prendem o mastro de um barco. Meus dentes estão serrados. Eu preciso vigiar e estar pronta para atacar qualquer predador que invada o terreno. Me esforço para permanecer desperta e com os olhos abertos. Me esforço para que meus olhos enxerguem e não apenas olhem. Aproveito o silêncio que a noite traz para checar se ainda estou respirando. Toco o meu peito para confirmar se meu coração ainda está bombeando.
O predador fareja meus lentos batimentos. Fareja a minha fraqueza e aparece diante de mim, encostando o seu focinho no meu. Ele está tão perto que meu hálito se mistura com o seu e nós respiramos juntos. Eu ainda não consigo me mover, o meu medo é tão silencioso e os meus olhos ainda estão tão pesados que prefiro poupar energia e não tentar fugir. Se eu gritar, a adaga pode cortar a minha garganta. Permito finalmente que algumas lágrimas escorram nas fendas abertas em meu rosto, mas fecho a comporta para prevenir uma inundação. Tampouco consigo encarar o predador nos olhos. Ele sussurra: covarde.