Um conto de Tita Martinuci
Tita Martinuci. Jornalista e revisora de texto, com conhecimento em diagramação de revistas e jornais. É editora da Ruído Manifesto.
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BÁRBARA
Seu corpo permanece inerte no sofá, enquanto uma tempestade invade o pequeno quarto e sala em que mora. Faz tempo que não chove dessa maneira, faz tempo que ela não se sente dessa maneira. É manhã de outono e seu corpo dolorido lembra que talvez tudo começa novamente, que o ciclo volta ao seu início e que a única maneira de conter isso é manter-se livre de qualquer pensamento ruim.
O livro do Nabokov jogado ao lado do sofá, as folhas com anotações por todo canto, coisas que talvez nem façam mais sentido. Ela pensa na faculdade, nos livros que leu, em lugares que percorreu imaginando ser personagem de um grande romance. Acontece que não se vê nem como protagonista de sua própria história.
“É mais fácil imaginar o antagonismo como forma de viver, do que esse protagonismo raso e medíocre que muitos se encontram vivendo por aí. Nesse mundo sombrio, presos em rotinas massacrantes.”
Quem observasse seu pequeno corpo, todo rabiscado de frases incompreensíveis, de marcas visíveis sobre coisas invisíveis, talvez não conseguisse captar toda a loucura de uma única alma, pequena e solitária. Um rápido passeio pelo apartamento no centro da cidade, que ela carinhosamente chama de “apertamento”, suas mãos procuram algo que seus olhos não conseguem mais enxergar. Há vazios e palavras demais nesse pequeno espaço, nesse corpo, vibrando em sua alma que parece querer escapar do corpo em alguns momentos.
“Eu deveria entender que a soma de atos se transforma em ação, em reação, onde a história me faz prisioneira de mim, de meus espasmos, de meus espaços quase sempre vazios. Sinto que sou inútil em grande parte do tempo, sinto que é inútil tentar contar algo, tentar reviver através de pequenos lapsos de tempo uma história que nem existiu e talvez nem imaginada foi.”
O som repete a mesma música há pelo menos uma hora e ela pensa que precisa de um acordo com o universo, com Deus, ou qualquer que seja a força que move o universo para que sua dor cessasse. O que é necessário para se livrar dessa angústia que a sufoca por dentro.
Sua mente se perde cada vez mais em histórias que ela já nem sabe mais se leu, rascunhou por aí ou viveu. O mundo parece uma grande encenação, atos mal ensaiados de uma peça qualquer. Sem grandes cenas, atores ou personagens. Ela ainda prefere o protagonismo.
“Até que ponto o que existe realmente é concreto? Em que ponto começa nossa imaginação e em que ponto começa nossa realidade?”
Todo o apartamento está lacrado, nenhuma fresta foi deixada para trás. Seus pés delicados dançam em direção à cozinha. Um copo de vinho… talvez seja mais fácil ter uma bala atravessando sua cabeça, talvez menos silencioso seja cair desse vigésimo andar. Mas nada disso mudaria os rumos da história. Esses desfechos não foram escritos para ela, não naquele momento. Talvez a saída, o escape desse labirinto esteja escondido em algum lugar, dentro de si. E ela não irá parar de procurar.