Um poema de Ângela Coradini
Ângela Coradini escreve mentira, faz drama. Atua como realizadora audiovisual e tem Doutorado em Cultura Contemporânea. É editora na revista eletrônica Ruido Manifesto e poetisa com o livro …Já não podem ser amanhã.
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“era quase Carnaval
e era quase nosso fim”
passo essa tarde em silêncio
enquanto o peso do vento
vai tecendo linhas sinuosas
com demora…
o ócio
ganha imagens
rompendo o muro branco da memória
e dá eco a frases soltas
que não compõem a mesma oração
uma lentidão me veste em ressaca
e fragmentos de ontem dançam
descabidamente
sob duas músicas tão lindas e falhas
como nós
em mim,
são sempre ruidosos e calados
os dias depois de você
mas hoje não
hoje,
tudo rima com uma delicadeza triste
acordei e lhe vi
há um centímetro meu
sob a coberta, nós dois,
escondidos do sol
e da segunda-feira
você estava ali
mas ontem, eu havia te deixado
porque tem sido assim:
todas nossas noites
são as últimas
todas nossas últimas
em companhia
você me toca mas não me toma
há pesos antigos nos seus gestos
eu lhe vejo mas não te peço
há redemoinhos na minha voz
sua solidão bebe com a minha
meu ardor celebra com a seu
você partilha o meu sono
e nossas narrativas se enroscam
mas nunca se confundem
…e ontem era quase Carnaval
havia glitter e havia álcool
seu rosto sorria na minha mão
e meu olho nublava nas suas frases
ontem era tudo luz e tanto desejo
e era glitter e havia receio
ontem
era quase Carnaval
e era quase nosso fim.