Um poema de Ricardo Escudeiro
Ricardo Escudeiro (Santo André-SP, 1984) é (ex) metalúrgico e (ex) professor. Autor dos livros de poemas rachar átomos e depois (Editora Patuá, 2016) e tempo espaço re tratos (Editora Patuá, 2014). Graduado em Letras na USP, desenvolve (ou não) projeto de mestrado com interesse em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e Estudos de Gênero. Atua como editor na Fractal e assistente editorial na Patuá. Idealizou e montou, em parceira com o artista Leonardo Mathias, o work in progress A mecânica do livro no espaço, dividido em três temporadas. Possui publicações em mídias digitais e impressas: Escamandro, Germina, Jornal RelevO, LiteraturaBr, Revista 7faces, Flanzine (Portugal), Revista Gueto, Enfermaria 6 (Portugal), Poesia avulsa, Poesia Primata, Mallarmargens, entre outras. Traduziu poemas da poeta afro americana Nayyirah Waheed, que foram publicados nos formatos PDF, EPUB e MOB para download livre, pelo selo gueto editorial, da Revista Gueto, em 2017. Publicou mensalmente, entre 2014-2016, poemas na Revista Soletras, de Moçambique. Participou das antologias Os pastéis de nata ali não valem uma beata – antologia de 2017 (Enfermaria 6, 2018), 29 de abril: o verso da violência (Editora Patuá, 2015), Golpe: antologia-manifesto (Punks Pôneis, 2016) e Poemas para ler nas ocupa (Editora Estranhos Atratores, 2016).
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a piada mortal
“Parece que foi preso 60 pessoas. Todo mundo era claro.
De preto só tinha o Rafael. Todo mundo foi solto.
Só o Rafael foi condenado.”
(Adriana de Oliveira Braga apud Tarso de Melo
– Epígrafe em “Toda sentença é um antipoema”)
Um adolescente foi espancado
e preso a um poste por uma trava de bicicleta,
nu,
na noite da última sexta-feira, na Av. Rui Barbosa, no Flamengo
iluminar caminhos até a metade
talvez se usássemos aqui o lance do giroflex ser bonito no céu de gotham
penso
mas um giroflex não pode nem ser bom nem ser bonito todo o tempo
mas nem no céu de gotham
mas nem nos muros de gotham as luzes
atropelando os pixos
indicando
ora em azul ora em vermelho os tipos sanguíneos e qual o apreço
como não só nos dissessem mas mostrassem em imagem
desenho
que cada qual tem e terá seu peso no quesito
derramamento
um circo ou um desses seus franqueados
um show de tv um jornal um reality um parente desses do tipo
bem informados e de bem
um palco qualquer outro desses mais jurídicos
com um anunciante de picadeiro
que apontasse uma jaula que inexistisse e nos apresentasse
senhoras e senhores
cidadãos de todas as sortes e naturezas e necessidades
respeitável
colegiado
bem vindos ao espetáculo do
somostodozespectadores
aqui está com vocês
o homem comum
despido
chorando
violado
e as tags
dificilmente
cometem erros
por vezes um preto por vezes um pobre
por vezes um mesmo
a realidade mimetizando uns trechos banalizados e a gente
passando com medo de cairmos de novo
num desses filmes que acabam sem explicar
nada
parecendo que ficou pela
ah esse é daqueles do tipo de fazer pensar olhar pros lados e falar
mas diz aqui pra gente
essa paisagem aí
é de doer pra fora ou pra dentro
e qualquer coisa respinga em meio às gargalhadas
iluminar caminhos
só até a metade
Carlos
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