Um poema de Wilson Alves-Bezerra
Wilson Alves-Bezerra (S. Paulo, 1977) é autor dos livros de poemas Vertigens (Iluminuras, 2015 – prêmio Jabuti 2016 na categoria Poesia – escolha do leitor); O Pau do Brasil (Urutau, 2016-2020); Malangue Malanga (Multinacional Cartonera, 2019) e do disco virtual Catecismo Moreninho (Livraria Orgânica, 2020). Tem livros publicados no Chile (Cuentos de zoofilia, memoria y muerte. LOM, 2018), Portugal (Exílio aos olhos, exílio as línguas, Oca, 2017) e, logo, na Colômbia (Catecismo Salvaje. El Taller Blanco, no prelo).
O poema longo “O Tribunal da Vila” é inédito.
***
O Tribunal da Vila
Na penumbra matutina
a minimonarca viperina,
da torre de capim,
vociferava por seus últimos dias
na instalação do Tribunal.
Devia partir
a lei assim o dizia.
Resistia porém:
– Há tantas ameaças,
barganhas, trapaças em curso
eu quero ficar e proteger vocês
dos sem escrúpulos.
Vocês hão de me defender!
Vem de fora uma ameaça externa
evocada por meu primo Cipriano,
o desumano, que quer por fim a meu tempo,
que quer só para si a corte.
– Fora Cipriano!
Fora você, Suvacuda!
Venha a nós a nossa eleita, a Judas –
gritavam os contertúlios
Getúlia, Jefferson e Jacolimbo.
Não. Suvacuda não queria.
Não ia partir,
seu dom era ficar
humilhar.
Contorceu a cara
e mística
começou a lacrimejar:
Chorava e apodrecia
a Maria dos Sovacos
Batendo os cascos
vomitando o eu eu eu
Ela dizia
– Esses campos envenenados
seus rebentos acéfalos
cultivei
não padecem
porque eu
plantei matei colhi.
No dia em que não estiver aqui
que farão?
Empanados os colibris
no céu de papelão
eu fiz.
Peço paz perdão apoio e uma monção
que me vente
em mais um mandado
para cruzar o deserto a nado
por Cipriano criado
por todo o tempo eternamente
Eu só faço um favor.
Sou melhor que o horror
da intervenção satânica
no condado amado
do campo envenenado
do nosso capim.
Por mim, partia.
Se fico é por vocês.
Chorava e apodrecia
A Maria dos Sovacos
batendo os cascos
vomitando o eu eu eu
– Cada um aqui que me conhece
não esquece
que nesses campos santos padecem
os vermes.
Saltam-me às mãos
quando passo
pela força dos meus sapatos
purifico o veneno do chão.
Então confiem:
vão ser dias
semanas
meses
em que fico
para o nosso bem.
Transição calculada
graduada
indolor
que vai dar a legitimidade
tática
necessária
para um golpe assim
de renda
de veludo
de sapato alto
brando
branco
rural
maçom
engomado
tudo feito
na alegria da casa
com o apoio de vocês.
Eu lhes protejo
do demônio interventor.
Só fico se cada um de vocês quiser
clamar
pedir
vou me doar e presentear a vocês.
Vocês apenas me apoiam
O imperador decidirá!
Chorava e apodrecia
A Maria dos Sovacos
batendo os cascos
vomitando o eu eu eu
– Mas e o sistema que inventamos
de escolher, votar,
fazer girar as gentes?
Toda vila escolheu o Judas,
herói de nossa gente,
para não matar-gritar
não mijar no campinho
ouvir as pessoas na praça
respeitar os xingos
adobar os casebres.
E vamos apoiar
sorrir
e ficar sob suas botas?
– Ela é demônio,
capeta, câncer,
nuvem de gafanhoto
queixada, grampeador de teta,
ela destruiu a colheita,
envenenou o chão
matou os meninos
afogou os sinos nas lagoas
e agora quer dar água de chocalho
aos mudos, nos borralhos.
– disse o coro trágico
do lado de fora
ainda agora,
enquanto Suvacuda mijava
na sala.
Foi que Judas se levantou lá dentro:
– Meu povo,
sou contra a Suvacuda
mas nesse momento
vejam vejam bem
defendo
a nossa minimonarca
mulher de nosso tempo
orgulho de nossa raça,
verdadeira mulher-maravilha
porque só ela vai nos garantir
a vida futura
que queremos.
Só ela
amarela
putrefata
vai nos garantir o porvir
sem a maldição do Cipriano
que quer nos furtar nosso desejo.
Eu fico com ela!
O povo, absorto,
sentia que sucumbia
pelas mãos da Judas, a eleita,
a ponderada,
a bifronte.
Judas, coágulo na cabeça da vila,
agarrou a suvacuda das tetas
meteu-lhe a língua na fenda
e disse:
amiga, sigamos juntas.
A nuvem de cancro,
infecção
e pus
baixava grossa
sobre a vila.
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(Fotografia do autor por Fernanda Castelano Rodrigues)
Elias Borges de Campos
Uma saga poética. Eu levaria pro teatro.