Um poema em sete partes de Wanda Monteiro
Wanda Monteiro, advogada, escritora, uma amazônida nascida à margem esquerda do rio Amazonas, em Alenquer, no Estado do Pará. A escritora, que participa ativamente em vários projetos de incentivo à leitura em várias regiões do país, tem centenas de textos poéticos publicados em importantes jornais e revistas literárias_ impressa e digitais – veiculadas em várias regiões do pais, como Mallamargem, Revista Gueto, Acrobata, Diversos &Afins, Relevo, Lavoura, Zona da Palavra, Vício Velho, Ruído Manifesto, LITERATURA BR, LITERATURA&Fechadura, DesEnredos, InComunidades (Lisboa), Caliban. Tem seus poemas publicados nas antologias: Senhoras Obscenas; Sarau da Paulista; Mulherio de Letras/Lisboa e na primeira e histórica publicação impressa da Revista Literária GUETO. Escreve ensaios e crônicas para várias revistas digitais em defesa do Estado Democrático de Direito e é colaboradora da Revista Alfarrábios/RJ. Obras publicadas: O beijo da chuva (Ed. Amazônia, 2008); Anverso (Ed. Amazônia, 2011); Duas mulheres entardecendo – em parceria com a escritora Maria Helena Latinni (Ed. TEMPO, 2015); Aquatempo (Ed. Literacidade, 2016); Zone Território Livre – em parceria com as escritoras Giselle Ribeiro, Deolinda Nunes e com a fotógrafa Tina Gomes (selo independente); A liturgia do tempo e outros silêncios (Ed. Patuá, 2019).
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A aurora essa diáspora que nos esquece de morrer
I
Teus olhos miram invisível rio
nele – palavras que tu nunca disseste
nadam como peixes cegos
famintas
morrendo à mingua
de tua coragem em dizê-las
no leito
um eu nunca dito
naufraga
reverberando teus assombros
e soçobros
II
Tu olhas para o rio
como se ele fosse teu
não o tens
não podes tê-lo nem detê-lo
o rio é um instante
que nunca para de morrer
é esse fio liquido morrendo em si mesmo
nele – cada mergulho
é uma despedida
III
Tu olhas para mim como olhas para o rio
a cada partida tu me olhas
como quem olha para o orvalho
a findar no fundo da tenra e molhada terra
um olhar azul de quem fica
IV
Quem fica também parte
partimos a cada dia
e não há regresso do que fomos
vestimos membranas frias de fuga
bebemos efemeridades
as horas sempre se despem de nós
V
Sou feito de partidas e chegadas
não consigo me despir das horas
sobre partidas
não seriam partidas se fosses comigo
quando renegas as outras margens
tu te tornas tão insular quanto este chão
cultivas a solidão
teu espectro é essa circunferência
em linha líquida
onde fazes do teu reino essa ilha
coroada de areiae água acesa
no prata encadeado dos peixes
VI
Me reconheço nesse chão
no canto dos pássaros
erguendo o cimo das manhãs
no ver o rio acender seu espelho
no sentir o dia levantar
e erguer sua intacta coluna sobre meu devir
no aurorescer
me recomeço
VII
A aurora é essa diáspora que nos esquece de morrer