Um poema inédito de José Pascoal
José Pascoal, 1953, Torres Vedras, Portugal. Livros de poesia publicados – Sob Este Título (2017), Antídotos (2018), Excertos Incertos (2018) e Ponto Infinito (2018), todos com a chancela da Editorial Minerva, Lisboa. Colaboração em várias revistas digitais e impressas, portuguesas e brasileiras.
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PROSA POÉTICA
Logo pela manhã,
Fala-se do horror com à-vontade,
O café sabe a cemitério
E as árvores morrem sentadas
Nos bancos sujos dos jardins.
Ao meio-dia,
Come-se a sopa da gamela
E o salgado da manjedoura,
Escreve-se uma nota no bloco electrónico,
Fecha-se uma luz no bloco operatório.
A tarde é uma procissão,
Os padres cegos seguem-na,
Fazendo longas juras de amor
Às crianças doentes sem-abrigo
E às mulheres próximas do esgotamento.
Quando a noite chega,
Abrem-se as portas metálicas
Das modernas capelas mortuárias
Para entrar o cadáver ainda quente
Do fim anunciado das civilizações.