Um conto de Tarciana Ribeiro
Tarciana Ribeiro é poeta de Teresina. Escreve de forma prosaica e monóloga sobre as inquietações vividas por uma mulher periférica e observadora do meio urbano. Olga, sua personagem, tem a função de provocar reflexão ao leitor ao desinibir a própria mente. Tarciana já participou de exposições na cidade de Teresina e na cidade de Pedro II, durante a intervenção do grupo “Ocuparthe”. Publica com regularidade no blog (escarrospoeticos.blogspot.com) e no ig do Instagram @escarrospoeticos.
***
Devaneio de Olga: Confissão
Era de arder os céus quando percebi entre arrochos urbanos o sufoco que me foi proposto.
Indecente.
Os olhos atravessavam semáforos e o silêncio invadia os ouvidos.
Por onde devo ir?
Puxei de meu bolso, minimamente furado, uma bússola estraçalhada pelos corpos muitos que agoniaram-me no trajeto até aqui.
Avistei sóis e um barco.
Eu avistei a imagem do silêncio e profundamente chorei.
Às seis da tarde, entre a melancia e a tabacaria existe um momento em que o caos aumenta.
Subi numa espécie de meio fio e lá me dispus a ficar.
Um minuto.
Eu precisava de um minuto para sentir o clima.
Ah, me sinto exausta.
Sei que há cura mas o caminho ainda está nublado.
Entre os meus dedos não existem outros dedos.
Ter mãos vazias é algo quase normal, ter mãos abandonadas…
Eu sinto em extremos espasmos, visões hipotéticas.
Agudos espaços invadem as horas úteis do relógio urbano, ter uma horta e poucos vestidos talvez me tornasse menos tola.
Meu corpo é tolhido pela movimentação óbvia da gente grande.
O homem da quitanda causa asco e cumprimenta o pai.
Para onde vão os sonhos das crianças?
Há o sótão de coisas vãs lotadas em cada meio fio que serve de calçada para as cabeças que sentem frio.
As cabeças tremem.
Onde há cura na agenda lotada?
Onde há possibilidade de cura em uma correria incessante de tornar-se aquilo que não se é.
Quero me ter de volta.
Quero entregar tudo nas mãos de quem almeja essa vida que o meu corpo não pede, que já é alheia ao meu corpo que já padece em escolhas vis.
Quero entrar na viela colorida de dona Ângela, quero poder sorrir para as crianças, quero estar em meu silêncio, ausente de sirenes e carros e corpos insinuantes que jogam meu coração na boca dos tigres.
Quero aquietar os ratos barulhentos que passeiam em meu travesseiro, preciso estar viva para as águas, preciso estar viva para erguer as mãos aos céus e num choro de conexão receber a lua, preciso me curar da selva, preciso perceber o amor escondido na agonia da manada.
Os búfalos de terno trituram meus sonhos.
Eu estou tão cansada, preciso tirar as botas.