Um trecho de romance de Chris Herrmann
Chris Herrmann é musicista, editora, escritora/poeta carioca, radicada na Alemanha desde 1996. No Brasil, estudou Literatura, Música e Webdesign. É pós-graduada em Musikgeragogik na Alemanha. Organizou e participou de várias antologias de poemas. É autora dos livros de poesia Voos de Borboleta, Na Rota do Hai y Kai, Gota a Gota, Cara de Lua e dos romances Borboleta – a menina que lia poesia e Peccatum. Colabora e tem poemas publicados nas revistas eletrônicas Algo a Dizer, Zona da Palavra, Blocos Online, Revista Plural – Scenarium, Mallarmargens, Germina, entre outras. Criou a revista Ser MulherArte, da qual é editora.
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Sinopse do romance Peccatum
O que significa o pecado? Carolina passa sua vida às voltas com esta pergunta. Aquela mulher católica, com uma fé inabalável e engajada nos projetos sociais promovidos pela igreja era admirada por uns e invejada por outros no município de Coleirinhos, interior da Bahia. Casada com um militar em plena época da ditadura, ela se apaixona secretamente por uma mulher no ano de 1973. A partir daí, seu mundo de valores começa a desabar. Mas ela não pode dar a perceber…
O livro pode ser adquirido aqui: http://www.arribacaeditora.com.br/peccatum/
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Excerto do romance Peccatum (Ed. Arribaçã, 2020 – prefaciado por Rosângela Vieira da Rocha) de Chris Herrmann
A hora do almoço se aproximava e a de Bertinho chegar. Carolina começava a ficar tensa, mas não triste. A alegria da manhã se transformara em ansiedade com as badaladas do meio-dia. Faltavam apenas três horas para que aquela casa se enchesse de cores novamente. Ela podia esconder esse sentimento de Margarida e do mundo, mas não mais de si. Seu coração batia mais e mais forte. Era uma estranha felicidade. Os minutos se arrastavam e ela não sabia mais o que fazer para que o tempo andasse mais rápido. Bertinho chegou, mas ela pouco o notou. Estava como que entorpecida pelo desejo de rever Teresa. No almoço, fez uma oração apressada e quase não sentiu o gosto da comida. Estava de poucas palavras. Margarida percebeu algo diferente nas atitudes da sua patroa, mas não ousou perguntar nada. Ela nem se lembrou em dizer ao filho para escovar os dentes após o almoço. Este foi para o seu quarto descansar e preparar o material para a aula da tarde. Carolina foi trocar de roupa, pentear os cabelos e retocar a maquiagem, desta vez, mais suave com um batom claro. Escolheu um vestido mais decotado e mais curto de cor branca e flores rosadas, combinando com o batom. Deu preferência a uma sandália baixa, que destacava seus pés pequenos e bem cuidados. Não se esqueceu do perfume de alfazema, seu preferido para andar em casa e receber visitas.
Pouco antes das três horas, o coração de Carolina batia forte e parecia antecipar o carrilhão da parede da sala. Margarida estava entretida na cozinha com seus afazeres costumeiros e Bertinho estava na sala sentado à mesa com o seu material. De repente, o som da campainha adentra a sala e o peito de Carolina, que, rápido, corre para a porta. Naqueles décimos de segundo, ela sentia seu corpo estremecer. Quando abre a porta, não vê somente a Teresa, mas a mulher dos seus sonhos. Suas mãos suavam e seu coração parecia querer sair pela boca. Teresa agora estava ali de verdade. E a verdade é que ela ainda estava mais linda aos olhos de Carolina. As duas se entreolharam encantadas. Eram olhares e sorrisos que pareciam contracenar um diálogo e, ao mesmo tempo, uma lista de perguntas sem respostas. Após um longo aperto de mãos e dois corações aflitos, Teresa entrou na sala e se dirigiu ao Bertinho, que esperava a professora com o caderno nas mãos. Carolina ficou triste por não poder ficar ali perto dela, mas estava feliz pelo cafezinho que iria oferecê-la depois. Subiu as escadas com seus olhos descendo furtivamente ao encontro de Teresa, que também a olhava disfarçadamente. Teresa teve a sensação de que aqueles minutos em que ficou aguardando o término da aula em seu ateliê ou em seu quarto ajeitando novamente a maquiagem e seus cabelos no espelho, foram horas. Ansiava o momento de poder descer e estar novamente com aquela moça que a fascinava. Vigiava com aflição o relógio de pulso. Quando, enfim, o relógio lhe deu a alegria do ponteiro grande quase encostar em doze, desceu as escadas feliz e sorridente. Era uma felicidade que há muito tempo não experimentava. Não sabia ainda bem explicar a si mesma o porquê, mas naquele momento, pouco lhe importava.