Uma resenha de Tereza Andrade
Esta é mais uma da série de resenhas da Livraria do Mulherio das Letras em que autoras cadastradas escrevem sobre as obras umas das outras. A resenha a seguir é de autoria de Tereza Andrade sobre o livro de contos Fissuras (Penalux, 2018) de Henriette Effenberger.
Tereza Andrade é bacharel em direito e publisher Lamparina (http://www.lamparina.com.br/).
Henriette Effenberger nasceu e reside em Bragança Paulista-SP. É romancista, contista, memorialista, poeta e escreve também literatura infantil. Publicou, em 2002, em coautoria com Maria Dulce N. K. Louro, seu romance de estreia, A Ilha dos Anjos. Outros livros publicados: As aventuras do Superagora (infantil); SSAAM — 80 anos de acordes em harmonia; Aeroclube de Bragança Paulista — uma trajetória nas asas do tempo; Liga do Pico, Futebol e Pinga e Sindicato do Comércio de Bragança Paulista — 70 anos. Publicou também Linhas tortas, em 2008, composto por contos premiados em concursos literários nacionais e internacionais, com apresentação de Ignácio Loyola Brandão, e Vida de sabiá — o que sabiam os sabiás além de assobiar, vencedor do Prêmio João de Barro de Literatura Infantil, editado em 2009, pela Fundação Cultural de Belo Horizonte. Em 2017, organizou a coletânea de contos Horas partidas (Editora Penalux) e a coletânea de contos e crônicas do Movimento Mulherio das Letras (Editora Mariposa Cartonera). Em 2018, publicou o livro de conto Fissuras, pela Editora Penalux. No prelo, em lançamento previsto para 2019, o infantil O menino que engoliu um furacão, vencedor do Prêmio Manaus de Literatura 2017, categoria literatura infanto-juvenil.
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Impressões de leitura sobre Fissuras (Penalux, 2018) de Henriette Effenberger
Por quase três semanas convivi com o livro Fissuras de Henriette Effenberger, durante as viagens de metrô entre casa e trabalho. É um livro de contos.
A maioria dos personagens retratados são pessoas invisíveis para a sociedade dominante. Os infames, no sentido de que não têm fama alguma, quase ninguém se interessa por eles, a não ser pela sua força de trabalho. Operários asmáticos exercendo o ofício em locais insalubres, gatos que fazem companhias a idosos abandonados, pescadores sem peixes para pescar em rios sujos, mulheres entediadas com vidas sem significados ou fantasiosas, freirinhas inocentes, circenses decadentes, homens vadiando, crianças abandonadas ou excluídas etc, em situação limite ou de guinada.
A carpintaria de Henriette é feita de serrote amolado. Nada sobra, nenhum excesso. Sua matéria é a vida. Seca, dura como cerne de madeira nobre.
Nos primeiros contos, achei que não chegaria ao fim, enganei-me. A autora vai abrindo espaços, cavando em nós a recriação daquelas histórias. Elas poderiam ser diferentes. Ter outros encaminhamentos. Por que isso não ocorre? O que não fazemos para que fossem diferentes?
Alguns personagens cansaram de viver e o fim é sua única opção. Um basta, um descanso.
O primeiro conto é inesquecível. Chama-se “O demônio quando quer fica bonito”. Retrata um velório de mulher assassinada por um marido cruel, narrado por sua irmã, vítima das mesmas crueldades. A forma como foi construído testa nossa capacidade de tolerar ou compreender mulheres abusadas desde a infância por pais e depois por maridos. A cada abuso elas se explicam dizendo que os homens fazem tudo por amor. Não importam as violências, os crimes, a barbárie. É uma linguagem que retrata parte do que estamos vivendo atualmente sem compreender. Exaspera.
“Deu um murro que os dois olhos saltaram e ficou um roxo só. O homem da funerária disse que deu para disfarçar com maquiagem, mas ainda está tudo preto. E na cabeça, então… Atrás tem um buraco que dá para enfiar o dedo. Depois de bater a cabeça dela na parede, ele ainda bateu com ferro da construção. Ele ia enterrar lá mesmo, tinha até feito um buraco; depois resolveu chamar a polícia e falar que ela tinha caído da escada…[…] Ele é louco por ela.”
Depois os contos vão se transformando e se aproximando do que fazemos com nossas mãos. São fissuras, brechas, vãos onde a vida não é inferno. A partir de receitas passa-se a ler a si mesmo e o mundo. Podemos ser como abóboras. Casca firme, miolo macio e doce, cheia de sementes. Levado ao fogo dosado da vida, com açúcar e cravo-da-índia, servimos ao mundo como alimento. Uma contista fabulista de mão cheia é o que ela é e nos alimenta com palavras.