Vanessa Ratton entrevista Lúcia Teixeira
Vanessa Ratton entrevista Lúcia Teixeira, autora de Caminho para ver estrelas, entre outros.
Vanessa Ratton é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica. Poeta, dramarurga e escritora infantil, com pseudônimo de Tatá Bloom.
Lúcia Teixeira é mestre e doutora em Psicologia da Educação, educadora, psicóloga e escritora, indicada ao prêmio Jabuti e vários outros prêmios nacionais. É autora de livros de Educação, Psicologia e Literatura. Conhecida pela Trilogia Pagu, que inclui Viva Pagu: fotobiografia de Patrícia Galvão, e como autora de Literatura Infantil e Juvenil, com a Trilogia do Tempo: Caminho para ver Estrelas, Tudo é possível – incrível viagem no tempo e O segredo da longa vida (traduzido para o japonês), entre outros. É nascida em Santos, litoral de São Paulo.
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Vanessa Ratton (V.R.): Quando você descobriu sua vocação para a literatura?
Lúcia Teixeira (L.T.): Desde criança gostava muito de ler e escrever, era um pouco tímida e muito observadora. Na época, eu tinha também um diário para expressar as emoções. Era comum escrever um diário na época. E escrevia bilhetes, poemas, músicas… Os livros são uma forma de eu me comunicar, dar voz a outras pessoas que não conseguem ser vistas, ser ouvidas, cujo drama cotidiano está aos nossos olhos, mas que não são percebidas.
V.R.: Quais autoras mais te influenciaram?
L.T.: Sempre gostei muito de Clarice Lispector, Cecília Meireles, Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Adélia Prado e tantas outras de nossa literatura. E nessa lista incluo também Maria Valéria Rezende, Conceição Evaristo, Noemi Jaffe , Elvira Vigna e Eliane Brum. A voz das mulheres em nossa literatura tem muita força. E tenho visto novas escritoras talentosas que vão ocupando seus espaços.
V.R.: Quando iniciou na Literatura infantil e juvenil? e qual o motivo desta escolha?
L.T.: O ato de inventar e contar histórias todas as noites para meu filho foi a grande inspiração e ele virou personagem na obra Tudo é possível- incrível viagem no tempo, lançada em 2006. Quis contar a muitos outros pais e educadores sobre a importância desse ato de contar histórias. Depois veio O segredo da longa vida, em 2008 e a trilogia termina com o livro infanto-juvenil Caminho para ver estrelas, em 2019. Como sempre tive muito contato com crianças e jovens no Colégio Santa Cecília, e com educadores de muitas escolas, esse universo já estava na minha vida e naturalmente passou aos livros.
V.R.: Como é seu processo de escrita?
L.T.: Acontece de muitas formas. Quando estou escrevendo um livro, anoto muita coisa: ideias, conversas, músicas, sorrisos, cheiros, momentos, enfim tudo serve de inspiração. Às vezes, até sonho ou acordo de madrugada para escrever algo que julgo importante. Escrever é reescrever e deletar várias vezes. Sempre há a pesquisa de temas, aos quais incorporo sugestões do cotidiano. Pessoas, fatos e coisas que me apaixonam.
V.R.: Quanto tempo costuma utilizar para a obra ficar pronta?
L.T.: Não há tempo definido. Como o meu dia a dia na universidade é muito intenso, (ela preside e Universidade Santa Cecília, em Santos) geralmente consigo escrever à noite e nas madrugadas. Vou procurando a inspiração em várias fontes como conversas que ouvi, livros que li, filmes, arte, tudo o que vivi, aprendizado da vida de pessoas comuns.
V.R.: O que a motivou a fazer a Trilogia do Tempo?
L.T.: Os dois primeiros livros infantis acompanharam meu filho Lucas criança. Fui recebendo muitos pedidos de leitores, que foram crescendo também, que desejavam a continuação das aventuras do personagem. Percebi que era importante levar uma mensagem aos jovens de esperança no futuro e trazer valores como amizade, solidariedade.
V.R.: O que conta cada livro?
L.T.: Tudo é possível:incrível viagem no tempo (Editoras Global e Unisanta) traz o menino Lucas embarcando em uma fantástica viagem, na qual convive com homens primitivos, perigosos piratas, índios escravos, sereias, vilões, cavalos-marinhos e até com personagens da nossa História: Benedicto Calixto, José de Anchieta, Bacharel de Cananéia, as mulheres escravizadas Anastácia e Bakhita, José Bonifácio de Andrade e Silva, Maria Bárbara da Silva, mãe dos irmãos Andradas, e Alberto Santos Dumont.
Em O Segredo da Longa Vida (Editora Unisanta) procurei valorizar a saga dos primeiros imigrantes japoneses no Brasil. O livro foi o primeiro infantil brasileiro traduzido para o japonês e pude entregá-lo para o imperador Naruhito, no lançamento, em 2008, durante as comemorações dos 100 anos da Imigração Japonesa no Brasil. Usei a sabedoria milenar e a modernidade da cultura pop do Japão, em harmonia com a cultura brasileira, presentes nas aventuras da japonesinha Aiko, recém-chegada no Brasil em 1908 e do brasileirinho Lucas, perseguidos por maligno ninja.
A ficção é foco de Caminho para ver Estrelas (Editoras Cortez e Unisanta) conta as aventuras de dois adolescentes, Ana e Lucas, que enfrentam os desafios de uma epidemia que tira a capacidade de criar e imaginar dos jovens. Coincidentemente, várias passagens do livro se concretizaram nesta epidemia que estamos vivendo. Vejam que é o mesmo personagem nos três livros, ela vai crescendo e as histórias vão caompanhando.
V.R.: Caminho para Ver Estrelas fala muita da depressão juvenil e necessidade da sustentabilidade do planeta. Porque esses dois temas na obra?
L.T.: O mundo está muito desafiador para os jovens. Por isso resolvi nessa obra que era hora de ampliar o debate para temas como depressão, angústia, isolamento social, drogas, alienação da realidade. Minha intenção foi abrir espaços para que os jovens escutem e sejam escutados. Para as famílias e educadores, faço a sugestão de formar uma rede de proteção por todos que podem contribuir para elevar a autoestima e dar mais força e confiança nos momentos difíceis.
Os sintomas da epidemia retratada do livro têm relação com consequências psicológicas e mentais do novo coronavírus, apontadas por vários especialistas e pela Organização Mundial da Saúde. A pandemia gera estresse psicológico porque as pessoas se veem à mercê de outros e de forças incontroláveis, com risco de contaminação, incertezas, isolamento social e dificuldades econômicas, que podem agravar ou gerar problemas mentais. É necessário estar consciente para buscar recursos internos diante desse cenário ameaçador, para se proteger física e mentalmente, ajudando os demais.
V.R.: Como vê o papel da Arte neste momento de pandemia?
L.T.: É fundamental. Engajar os jovens em projetos relevantes em arte, solidariedade, cultura ou esporte faz com que eles se sintam úteis e descubram novos talentos. Desenvolvem a autoestima e o entendimento da importância das suas ações, que podem se refletir e mudar o mundo, para melhor ou para pior. Na prática, as escolas devem promover não apenas o desenvolvimento intelectual, mas também o social, o físico, o emocional e o cultural, compreendidos como dimensões fundamentais para a perspectiva de uma educação integral.
V.R.: Tem algum projeto novo em mente?
L.T.: Acho que sempre tenho algum novo projeto em mente. As ideias vão surgindo e eu vou anotando, um dia serão usadas. Esses tempos estranhos que estamos vivendo também têm motivado muitas reflexões, e que, quem sabe, poderão se transformar em um livro.