29 de agosto dia nacional da visibilidade Lésbica
A curadoria “29 de agosto dia nacional da visibilidade Lésbica” foi realizada por Isabela Anzolin, poeta mato-grossense que atualmente vive em Porto Alegre, onde estuda medicina veterinária. É amante de gatos, café e poesia. Luta pelas causas vegetarianas e feministas. Participou como escritora convidada do Sarau das Minas (POA), edição especial lesbika.
A curadoria de imagem foi realizada pela cuiabana e feminista Natália Salomé. É doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso. Feminista e amante da literatura, pesquisa poesia escrita por mulheres a partir de um viés feminista interseccional. A ilustração escolhida é da artista visual, lésbica e ilustardora, Elis Rockenbach. Seus últimos trabalhos são as ilustrações dos livros Sinfonias do Entardecer (Janete Manacá) e Muda Mudança (Otto Brasileiro). Atualmente cursa Artes Visuais na UFMG e desenvolve projetos nas áreas de fotografia, artes gráficas, monotipia, aquarela e desenhos com nanquim e guache. Sobre a ilustração: A frase “Mais forte que furacão só amor de sapatão” da ilustra é de autoria do IG @velcrochoque (não deixe de conferir as intervenções urbanas sapatonas postadas na página). Contato: elisrockenbach1234@gmail.com
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29 DE AGOSTO DIA INTERNACIONAL DA VISIBILIDADE LÉSBICA
Curadoria sobre escrita feita por mulheres, por mulheres lésbicas.
Chama seu gato adotado e vem ler o que as fanchas andam escrevendo por ai!
A literatura nos leva para outros mundos, isso é sabido. Hoje, dia nacional da visibilidade lésbica, venho propor-lhes uma viagem literária cheia de caras e bocas e línguas e dedos, para fechar o mês de agosto com tesoura de ouro. Não só sobre o amor entre mulheres, escrevem as lésbicas, mas em comemoração ao nosso dia, vamos mostrar aqui, várias formas poéticas desse amor.
Tem sapatão ganhando prêmio Jabuti com seu livro de contos lésbicos e é com ela que abro a curadoria:
Natália Borges Polesso, é gaúcha e ganhou o prêmio Jabuti em 2016 na categoria Contos com seu livro AMORA. Trecho do conto Punhos extraído do livro Amora:
“ (…) Cheio de pequenos poemas, meus punhos se fecharam. Não consegui comportar as metáforas que se espremiam, tentando sobreviver. Escapavam-me em grânulos, poemas granulados. Fechei os punhos o mais apertado que pude e ainda assim escorriam. Pesavam meus braços, meus ombros, minhas costas e todo o sangue acumulado nas minhas veias antes finas.
Eu quis pegar no pescoço branco e fino que ela tinha e esmaga-lo com todos os verbos que ela não disse. Fazê-la se afogar e, talvez, trazer para fora tudo o que eu queria ouvir e que ela se quer pensou dizer. Todas as coisas que na verdade eram minhas e só.(…)”
Apresento-lhes a catarinense Thalita Coelho com um poema de seu primeiro livro, Terra Molhada (2018).
“(…) Em minha memória, a textura dos dedos dela na minha nuca, nos meus cabelos curtos, que pareciam se mover pra mais perto das suas digitais.
Minha respiração, estática, imóvel, peito morto, ventre vivo.
Fechei os olhos e me perguntei, corada sem coragem: se à minha nuca causa arrepio, o que seus dedos fariam se encontrassem o caminho pra dentro de mim? (…)”
Nossa vizinha Argentina nos presenteou com uma escritora incrível que agora vive em Porto Alegre, e eu lhes apresento um poema do seu último livro, Grito De Mar (2019), com vocês: Mariam Pessah
“ (…) grau de parentesco?
perguntou a atendente
amizade de 1º grau, sororidade na máxima potência.
levantou os olhos
levantei os braços em forma de pergunta
voltou ao questionário: grau de parentesco por favor!
amiga, em primeiro grau.
não pode entrar
como assim?
só parentes
mas a gente é muito próxima
(como contar uma vida numa linha?)
preciso um descanso
deixar a vida de lado
para tornar-me poema. (…)”
Nascida em Cuiabá, Ryane Leão vive em São Paulo e publicou seu primeiro livro em 2017, Tudo Nela Brilha e Queima. Aqui vai um poema do livro:
“ (…) ela parecia
aqueles
fogos de artifício
tudo nela brilhava
e queimava
antes de apagar
e virar poeira.”
Com gostinho de axé apresento-lhes um poema tsunâmico da poeta baiana Julianna Motter:
“ (…) Porque meu corpo se movimenta em
direção ao seu
como se só existisse essa possibilidade
porque até mesmo meu corpo que não
dança
até meu corpo que não sabe dançar
perde o medo de errar o passo
e segue inevitavelmente o seu ritmo
que reinventa a ordem do mundo
e faz parar o relógio
esgotar o vocabulário
no limite do seu corpo
de onde nascem as coisas mais bonitas
não encontro palavras
é como uma exceção à língua
como uma palavra com dois acentos
uma expressão que não se traduz
algo que não se sabe pronunciar
que me demonstra que estar aqui
agora e em movimento
talvez seja exatamente o meu lugar.”
Fazendo fronteira com a Bahia, trago aqui um trecho extraído do conto Epistolar da Maria Williane ou Willy Wonka, uma Pernambucana passando frio em Porto Alegre desde 2018. Respira fundo que esse trecho é de tirar o fôlego… afinal, quem nunca?
“ (…) Eu tinha tantas desculpas pra continuar ali, segura e firme na alça do teu vestido estampado. O sol era a maior delas, o dia raiava e na luz que secava as roupas e aquecia o concreto das calçadas, teus cachos de ouro me tomavam a paz. O vento já emaranhado, levando teu cheiro bom pra bem longe de mim e eu te pedindo volta, deixando a porta aberta pra tu querer ficar.
Acho que minha vontade durou até que eu não suportasse mais ouvir o eco das conversas, até que eu cansasse de lutar contra o espaço que você deixou, uma guerra ridícula, como se eu fosse uma espadachim amadora treinando golpes certeiros contra o vento. Como quem espera, como quem se nega: eu demoro. E pra aceitar que a esperança é morta? Você se foi de repente e não era nada injusto, já que você também chegou assim: de repente. Não quis pegar minha mão, não quis soltar teu passado. (…)”
Embarcamos agora para o Rio de Janeiro, com a poeta e artista visual, Maria Isabel Iorio e seus poemas de umedecer até o Cerrado brasileiro.
“uma mulher sobre outra mulher
não é preliminar é pré
histórico.”
*
“uma mulher
para amar uma mulher
é preciso comer com as mãos.”
Ainda no Rio de Janeiro, vamos conhecer a intensidade escancarada em versos, da poeta Olga Pinheiro:
“Eu queria fazer poesia
política
poesia feminista
poesia anti-racista
poesia contra qualquer preconceito
e discriminação
poesia de resistência
e de revolução
mas no meio do caminho
assim, meio no susto,
chegou uma mulher arretada
e acelerou meu coração
queria chamar o povo pra luta,
ver se assim o mundo muda…
só que em vez de gritos de guerra
declamo versos de amor
o movimento que participo
é o do meu corpo sobre o dela
nossos lábios se caçando
nossas pernas se enlaçando
o coletivo
que não sai da minha cabeça
é o nós: eu e ela.”
Por último, mas não menos importante, apresento-lhes agora, dois poemas felinistas de minha autoria. Voilà:
“Te ver por cima
por cima de mim
leoa
cabelos jogados
gravidade zero
boca edemaciada
ainda mais rosada
tronco inclinado
peitos esmagados
que se aproximam
os corpos
quentes
sedentos
suados
até que enfim
de repente
uma onda
uma onda oceânica
trouxe consigo
a gravidade
e caímos
no macio das colchas
essa é com certeza
a imagem
mais divina
que meus olhos
de fogo
já viram.”
“Puxava de leve
seu cabelo leoa
simultaneamente
com pressas felinas
mordiscava
vagarosamente
as ondas formadas
nas suas costelas
ao se contorcer
nua
pelada
suada
feroz
leoa.”