Voyeur de quatro – Por Carla Cunha
Na coluna mensal “Teia Labirinto”, Carla Cunha escreve sobre Literatura Erótica e Pornográfica. O nome da coluna nos remete à trama e aos caminhos enrodilhados que todos nós enfrentamos ao pensar na própria sexualidade. Nessa trajetória, pontos se conectam e produzem uma teia de informações sobre quem somos. Porém, às vezes, não encontramos o caminho e a sensação é como se estivéssemos num Labirinto.
Carla Cunha é paulista, escritora de Literatura Erótica e Pornográfica, mantém um blog com textos sobre o tema e em 2019 lançou Vermelho Infinito.
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Voyeur de quatro
Duas horas da manhã, o telefone toca, é Quipa, atendo. Do outro lado da linha, um ruído não me deixa escutar o que ele diz. Desligo e volto a dormir. Meia hora mais tarde, batidas na porta do meu apartamento. Imagino que seja ele com saudades do meu corpo. Abro a porta e não vejo ninguém. Penso em bater na porta do apartamento dele, no final do corredor, mas a canseira não me deixa avançar. Volto para cama e durmo. Lá pelas nove horas, acordo excitada, sonhando que transávamos a três, uma morena erguia-se do meio das minhas pernas, enquanto Quipa me agarrava pelas costas, acariciando meus seios. Trocávamos beijos alternados, às vezes beijava Quipa, às vezes, a morena. Não sei quem ela era, mas por via das dúvidas me masturbei. Foi mal tocar no clitóris, gozei. Precisei ir ao banheiro de tão molhada, desconfiei que havia urinado durante o orgasmo, mas não. Andava muito excitada nos últimos tempos e Quipa não aparecia mais com a mesma frequência de antes. Já fazia mais de dois dias que não nos víamos, e eu na loucura, poderia dar para um poste de luz na rua, se ele balançasse com o vento.
Depois do banho, telefonei para Quipa, ele atendeu como se nada tivesse acontecido. Perguntei o motivo da ligação na madrugada, mas ele me disse que não tinha ligado. Estranhei, mas não insisti, nem quis perguntar sobre as batidas na porta. Decerto, iria negar, também. Aproveitei para chamá-lo para ir a um barzinho aqui na Barra Funda. Ele deu uma desculpa besta, falou de sobrecarga de trabalho, de combinar um encontro para o final de semana e desligou o telefone. Enfim, Quipa não é a única opção no mundo, ainda mais quando se gosta de pessoas e não de gêneros. Também tem essa de dar um rolê, depois de tantos meses encerrada em casa por causa da pandemia, ir ao barzinho e pedir um drinque é o maior luxo que a pessoa na face dessa terra pode ter.
No final do dia, quinta-feira, saí pela Lopes Chaves. Na esquina com a Mário de Andrade, entrei no Scar bar. Percebi que chamava a atenção com meu vestido justo. Pelo jeito, a noite seria fácil. Sentei de frente ao balcão e pedi uma caipirinha de abacaxi. Dois caras não paravam de me olhar, e eu os ajudava a não parar, cruzando as pernas de um lado ao outro, estimulando o desejo. Foi engraçado, mas quem realmente me despertou curiosidade foi uma morena de cabelo cacheado sentada na outra mesa. Bebia um drinque azul tipo curaçao. Sorri para a morena, procurando um contato e ela sorriu de volta. Trocamos olhares, e não demorei para ir até a mesa dela. Conversamos por mais de duas horas. Era uma mulher lindíssima, muito elegante, perfumada, talvez por isso não nos agarramos de cara. Notei que olhava, às vezes, a tela do celular, mas nada que a tirasse da conversa ou trouxesse desconforto ao nosso encontro. Foi assim que tomei coragem e perguntei se queria tomar uma dose na minha casa, mas a morena, digo, Lucia, respondeu que não, esperava um amigo para curtirem à noite. Quis anotar o número do meu WhatsApp, prometeu me chamar para um rolê qualquer hora. Não levei fé, mas também não dá para saber nada num primeiro encontro. Então, fui ao banheiro, quando retornei, Lucia não estava mais. Esperei uns vinte minutos, mas o garçom me disse que ela havia saído já alguns minutos. Resolvi voltar para casa e deixar para investir outro dia na noite de São Paulo, uma pena!, uma morena bonita daquelas.
Caminhei pela Lopes Chaves, o friozinho de agosto convidava para uma taça de Carménère, um jazz. Ao sair do elevador, no corredor do meu apartamento, vejo a porta do apartamento de Quipa aberta. Por algum momento, fico congelada, mas, depois, quis investigar. Curiosa como sou, pé por pé, sem chamar atenção, cheguei até a entrada do apartamento dele. Escutei a voz dele, parecia falar ao telefone e quis enfiar minha cabeça muito devagar para dentro da sala e ver o que acontecia. Foi aí que fiquei chocada, Lucia, a morena do Scar bar, sentada no sofá da sala de Quipa, usava apenas roupas íntimas. Ainda bem que ela não me viu, recuei na mesma hora, e fiquei ali, no corredor. De repente, Quipa sai do telefone e retorna à sala. Fiquei sem saber o que fazia, pensei em voltar para casa e deixar ele curtir em paz, mas depois me subiu uma raiva e por um lapso de segundo quis matá-lo. Por fim, fiquei onde estava, no corredor, quase na porta de saída de emergência, no escuro, onde eles não me viam e eu podia ver tudo. Não quis saber o motivo da porta estar aberta, meu interesse dava conta apenas de ver o Quipa comendo outra mulher. Abismou-me a performance com Lucia, muito diferente do que fazíamos juntos. Virou a morena e sem tirar as roupas íntimas, pegou ela de quatro, empurrando a cabeça dela no parapeito do sofá. Enquanto comia Lucia, Quipa olhava para o teto, e foi justo isto que me deixou intrigada. Seja como for, às vezes, ele voltava a bunda da morena para dar um tapa estalado. Confesso que aquilo me excitou e por fim cedi as minhas vontades. Era mil vezes melhor do que assistir ao filme pornô no XTube. Tenho que dizer a verdade, aquela cena do Quipa me excitou. Assim, que me agachei de quatro para me tocar a boceta. Toda vez que estalava os dedos na bunda da Lucia, sentia como fosse em mim. Tão forte a sensação, que eu confundia aquele medo de ser pega com o prazer daquela cena. Gozei sem poder berrar. Foi um orgasmo muito louco, no corredor do meu prédio, vendo meu namorado comer outra mulher. Não quis mais nada, ergui o corpo e voltei para casa. Deixei aqueles dois na luta por seus orgasmos. Era justo para eles, já eu precisava tomar uma taça de Carménère.
(Ilustração de capa: Fernanda Bienhachewski).