“Your Name” (2016)
Your Name. Direção: Makoto Shinkai. País de Origem: Japão, 2016.
Alerta! Contém spoilers!
Vários filmes na história do cinema têm como mote a troca de corpos entre duas pessoas, desde o clássico da Disney dos anos 1970, Um Dia Muito Louco, com Jodie Foster, ao australiano Flertando com o Inimigo (de 1996, com Guy Pearce, pré-reconhecimento em Hollywood), chegando ao sucesso brasileiro Se Eu Fosse Você (2006), estrelado por Glória Pires e Tony Ramos. Por algo não conter novidade alguma, é que se estabelece um clichê. E como lançar frescor a um clichê? Em seu longa-metragem Your Name, Makoto Shinkai recorre a uma catástrofe, duas linhas de tempo, romance e empatia. Em última instância, Your Name, uma visualmente deslumbrante animação japonesa, trata de empatia.
Your Name nos apresenta dois alunos do ensino médio como protagonistas: a interiorana Mitsuha, da cidade rural de Itomori, na região montanhosa de Hida, é filha do prefeito local (com quem tem uma relação conflituosa), mora com a avó e a irmã caçula, é sacerdotisa de um templo xintoísta e carrega o obstinado desejo de ter uma existência mais agitada (nem que seja em uma próxima vida), já que se sente limitada pela cultura tradicional. Na verdade, é atraída pela sofisticação urbana. No outro polo, está Taki, residente de Tóquio, aplicado nos estudos e que tem um trabalho de meio período em um restaurante, porém, tem suas inibições, sente-se sufocado pelo tumulto da cidade grande e passa por um momento de incerteza a respeito de seu futuro. Um dia, Taki e Mitsuha acordam em um corpo diferente em um local desconhecido, do susto inicial a conclusão de que se trata de um sonho bizarro, logo eles precisam viver a vida um do outro, durante o período que a mudança ocorre.
As primeiras tentativas resultam em fracassos e a mudança de personalidade é apontada por familiares e amigos (são engraçadas as suas reações quando descobrem, no dia seguinte, como se comportaram estranhamente em relação ao seu “eu” cotidiano. Os adolescentes não têm uma clara memória do que acontece após voltarem ao seu estado normal). Diante da dificuldade em assumir um novo papel social, lidar com escola, família e trabalho, Mitsuha e Taki decidem se comunicar e colaborar um com o outro e passam a deixar anotações em seus celulares e cadernos, com orientações e recados, para que não modifiquem em demasia suas vidas até o final do fenômeno.
Com o tempo, os jovens passam a interferir na vida um do outro, e, acostumados com a troca de corpos, começam a desenvolver afetos, a se conectarem profundamente e o desejo de se verem surge naturalmente. Porém, um cometa atravessa o destino de Mitsuha e Taki, colocando em risco o plano de se encontrarem. Diante de um desastre iminente, eles precisam decidir o que fazer, agir para que toda a experiência acumulada e os sentimentos não desapareçam.
Makoto Shinkai mostra-se engenhoso em explorar diversos gêneros em seu longa-metragem. Comédia romântica, drama, ficção científica, filme-catástrofe e sobrenatural (com a adição das linhas de tempo e dos efeitos da passagem do cometa) combinam-se de maneira vertiginosa, conduzindo o espectador de evento a evento, de sensação a sensação.
Mitsuha e Taki se encantam pela vida que descobrem a partir da troca de identidades. Eles não são realmente felizes no que tange a vida que levam em seus respectivos sítios. E vivenciar o oposto àquilo que os constrangem, serve para aproximá-los, ao entender ambições e tristezas ocultas que carregam. Os jovens passam a se ajudar até em seus possíveis enlaces românticos e na maturação de amizades. Mitsuha, no corpo de Taki, cria oportunidades e marca encontro do rapaz com a sua chefe, a atraente Miki Okudera. Enquanto isso, Taki, quando no corpo de Mitsuha, ajuda a tornar o clima entre a garota e Katsuhiko, um amigo-admirador (não declarado), menos tensa, mais divertida. E nisso, o fascínio pela vida que habitam torna-se um vínculo irresistível com o outro. E a direção que tomam – com Taki reconhecendo-se apaixonado por Mitsuha – é a de ficar frente a frente. Mas chega o tempo que as trocas cessam e Taki se sente perdido, por não conseguir contatar Mitsuha. Há uma tragédia a ser evitada, e o Your Name se torna mais obscuro e premente.
Colocar-se no lugar do outro é o que significa ter empatia, entre as personagens ela cresce de modo gradual, e Shinkai cria os laços sem pressa, mas com fluidez, ainda que a segunda metade deixe a sensação que o filme se estende na busca de um final feliz.
Your Name traz detalhadas animações, tendo uma especial atenção ao cometa, às cores da natureza (as paisagens campestres são ricamente assinaladas), aos fenômenos naturais e à descrição realista das cidades, principalmente de Tóquio. É um espetáculo para os olhos, com impressionantes metáforas visuais (como a divisão do meteoro simbolizando a ligação entre os dois adolescentes, duas almas a conectar-se e reconectar-se). A montagem é cativante, trabalhando imagens que nos capturam ao apresentar a diferença entre uma Tóquio movimentada e a vida em uma comunidade rural, da agitação à placidez, do distanciamento a um espírito gregário (nem sempre verdadeiro). O destaque é a cena da catástrofe que envolve o meteoro. Uma impactante e colorida encenação do medo (da morte que se revela imediata). Além disso, uma trilha sonora pop, em sintonia com a juventude de seus personagens.
Não apenas a empatia é um dos temas de Your Name, mas também a saudade, a procura por algo que não deveríamos ter esquecido (o nome sendo um elemento-chave a fixar na memória, a guarda o sentimento). E entre o ritmo mais suave da primeira parte – a do surpresa, o horror e aceitação da experiência de viver a vida de outra pessoa – e o drama da segunda – já se tratando de impedir as consequências da passagem do meteoro – há uma instigante apresentação de ideias sobre tempo e espaço, como a trança de cordas (algo que a sábia avó de Mitsuha explica se tratar do fluxo do tempo, os nós que conectam as pessoas), o fio vermelha do destino e do crepúsculo como um período de tempo capaz de colocar em contato duas realidades distintas, em colisão universos que se aproximam, tornando o inimaginável, real.
Your Name é uma deslumbrante animação, um belo romance, com humor e melancolia, que apresenta um Makoto Shinkai mais otimista (o doce/amargo de Cinco Centímetros por Segundo, de 2007, é de dilacerar o espectador) ao colocar em foco (ou mesmo sob uma lupa) a tríade empatia-destino-saudade e obtém excelentes resultados ao investir (e lançar novas luzes) no subgênero body swap (troca de corpos/identidades).