A Dialética da Alma – Por Michel Yakini
A Coluna Michel Yakini apresenta crônicas, contos e poemas deste autor paulistano, atuante no movimento literário das periferias de SP.
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A Dialética da Alma
“E o remédio
Minha cura
É o silêncio abissal
Meu ser celestial…”
Déa Trancoso – Castiça
Ultimamente não tenho sentido vontade de dizer. Vez ou outra alguém faz um convite cheio de carinho e intenção e pede a nossa palavra. Nessa hora me dedico ao máximo e faço acontecer, mas confesso que a maior vontade agora é de ficar em silêncio.
Talvez seja esse tempo de lutas e lutos sem fim. Essa despedida forçada de pessoas queridas, que vão como um sopro, vibra no corpo e no segundo seguinte se dissipa no universo. Talvez.
Esse convite ao silêncio me aproxima de muitas leituras de sentidos e dessentidos. Aí começo um livro por dia sem nem terminar a leitura anterior. Faço na confiança de uma prosa que tive com o Dr. José Amâncio, médico encantado que trabalhava nessa dimensão por meio da Tia Valda, zeladora espiritual que desencarnou recentemente e cuidou do meu orí nos seus últimos anos de vida. Dr. Amâncio me disse, certa vez, que eu poderia ler o quanto quisesse, e quando não entendesse algo, era só tornar a ler novamente que o entendimento chegaria.
Nesse balaio de coragem e livros, tô finalizando a leitura de Bhagavad Gita, que tem autoria atribuída a Krishna e foi traduzido por Huberto Rohden. O livro apresenta um diálogo entre o príncipe Arjuna e Krishna, o Imanifesto e Invisível, e faz parte do Mahabarata, texto sagrado do hinduísmo.
Na história, Arjuna é convidado por Krishna a declarar guerra contra seus parentes usurpadores, mas isso pode ser compreendido como uma metáfora, onde o Eu humano de Arjuna, usurpado pelo seu próprio ego, busca seu Eu divino a partir dos ensinamentos de Krishna.
Nesta edição há diversas notas em que o tradutor traz uma visão poética e expansiva pra compreender a existência. Uma é a tese da Filosofia Univérsica, onde todo Verso (finito) é uma manifestação parcial do Uno (infinito), por isso a realidade é a junção dessas partes, formando o conceito de Universo. No verso 24 do Capítulo 7, Krishna diz: “Pensam os insensatos que o mundo manifesto e visível seja a essência das coisas; é porque ignoram o Imanifesto e Invisível, que não é limitado por nenhuma das suas limitações”.
Pra Rohden, a Divindade (o uno) é a grande tese e o mundo (o verso) é a antítese (negativa e positiva) do plano consciente, e juntas culminam na síntese da imortalidade do indivíduo humano. Essa perspectiva me trouxe o entendimento da Dialética da Alma, onde o eixo horizontal do humano, faz encruzilhada com a serpente do lado ser, criando a potência cósmica. Como na estrutura da teoria Dialética, difundida na filosofia, onde: tese + antítese = síntese.
Entendi que a Dialética da Alma nos dá a possibilidade de imortalizar nossa natureza andrógina, curando o lado suprimido das nossas polaridades. No livro Androginia – O resultado da unificação, de Carolina Guitel, a autora cita June Singer afirmando que “os indivíduos Andróginos deixam que as repressões se esvaeçam, no intuito (…) de permitir que o que havia sido reprimido possa voltar a ser reintegrado à percepção e cognição conscientes”.
A autora completa que os Andróginos “vivenciam interiormente esse estado de (…) Re-Unificação, pois o Andrógino é a personificação da ‘volta para casa’ a qual tanto ansiamos inconscientemente, ou seja, a volta ao Todo”. Antes, meu pensamento limitado sobre Androginia, relacionava esse estado de ser apenas com a sexualidade e o aspecto externo e visual de uma pessoa, mas, segundo o estudo de Singer e Guitel, essa natureza é potente em toda gente, independente da sexualidade.
Portanto, no meu caso, ficar em silêncio e me dedicar as leituras abriu caminho pra palavra interna e o entendimento dos estudos ecoarem com mais equilíbrio, fluindo a Dialética da Alma. Esse é o despertar do sonho de estar acordado, um convite pra fechar os olhos do corpo e abrir o olho místico do espírito. É a colheita de leitura e silêncio que o Dr. Amâncio me explicou e incentivou, anos atrás, e que agora sinto que dá dando liga.