A perda
carne branca, cabelos negros
olhos intensos, voz branda
passos resolutos, coração frio
ela
torneando por entre mãos e desejos,
na noite, na Cuiabá cálida, queimava sua vã proba conduta
escolhia e subjugava seus escopos
com pernas, sexo, abdômen, mãos, cabelos e unhas,
consumia aqueles homens
extorquia deles a pressão, o atrito, o urro, o gozo
nutria-se da proximidade não íntima, do asco que sentia do odor deles
nutria-se do flagelo ao qual entregava seu nefasto corpo
quanto mais cedia sua carne,
mais sua beleza e curvas faziam-se primorosas
como uma maldição, sua autopunição a tornava ainda mais absorta,
mais tragada pelo tormento
fazia isso para exorcizar as imagens,
imagens de palavras construídas por sua mente que,
incansáveis, repetiam-se involuntárias:
ele na carne de outra
quanto mais pensava, mais enlouquecia,
desvairava-se em cima do corpo de um qualquer que estivesse ao seu alcance
quanto mais gemia, mais os gemidos da outra ecoavam em seu pensamento
quanto mais se destruía, mais queimava aquela dor
e então, quando enfim desfalecia,
com o corpo fadigado e a mente esgotada,
de tão desesperadamente tentar apagar os ecos,
deixava, aos seus pés, mais um escarnecido
ela despejava-se,
vazava nas mesas, nas calçadas dos dias,
seus sonhos, desejos, projeções, crenças…
cada filamento de sensação secava em seus sentidos
lembrava-se da madrugada que tentou expelir sua mente pela boca
falhou, sua mente, cotiada pelas juras da outra, adoecera
in-descansos, in-placidez
o flagelo de sua carne,
mantinha-a distante da extrema insensatez: findar-se
a entrega do corpo dava-lhe mais um dia,
mas não a noite,
quando sua insensatez engolia-a
temia que o negro de seu âmago a subjuga-se
quanto mais trepava, mais deleitosa fazia-se,
e mais repudiava-se por não esquecer
quanto mais homens coligia, mais despejava-se
cada corpo que consumia ensandecidamente,
uma tentativa de esvaziar-se do reste da paixão dele
arrastando-se
nas noites mais cálidas,
na cidade mais soberba,
nascera a mais desgraçada e bela entre as entregues:
da traição mais vil,
da dor mais lacerante,
convertida no desespero mais lascivo.