A semente encantada de Aruanda – Por Michel Yakini
A Coluna Michel Yakini apresenta crônicas, contos e poemas deste autor paulistano, atuante no movimento literário das periferias de SP.
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A semente encantada de Aruanda
Anos atrás, durante uma visita a uma casa sagrada, uma senhora de Aruanda pegou levemente em minhas mãos, passou um pingo de essência de laranja no meu pulso e disse: “Você tem muitas mulheres no seu caminho, pequeno, muitas mesmo…” e sugeriu que quando eu tivesse alguma dificuldade de lidar com isso, eu poderia utilizar a laranja como aliada.
Quando a prosa cessou fiquei buscando entendimento sobre as palavras e o afeto daquela senhora. Contei o número de mulheres da família e vi que são maioria, meu círculo de amizades era predominantemente feminino, a faculdade de pedagogia também confirmava essa máxima. Além disso, sou pai da Yakini e da Inaiê. Sobre a essência, minhas amigas contaram que o óleo essencial de laranja ajuda no despertar da criança interior.
Mas depois de tantos cálculos e probabilidades, relaxei e deixei o entendimento assentar, porque conversa sagrada é coisa que fica ecoando, é tipo a pedra do senhor mensageiro que acerta o alvo de ontem com a pedra atirada hoje.
Aos poucos, fui percebendo que um dos sentidos da vida é o espelhamento. Isso acontece quando a realidade é observada como um chamado pra desenvolver algum aspecto subjetivo. No meu caso, o tanto de mulheres presente em minha vida me convida pra movimentar a força feminina da minha existência.
Mesmo vivendo socialmente como um homem, eu tenho pólos cerebrais que representam forças masculinas e femininas. No livro “O Caibalion”, que trata da Filosofia Hermética, essa relação do feminino e masculino na constituição humana refere-se ao Princípio de Gênero, que é diferente da representação sexual e social que conhecemos, pois essa estrutura é presente em toda mente humana e na formação dos átomos.
Outro estudo que relaciona essa questão é a teoria Animus e Anima, desenvolvida por Carl Jung, onde a personificação de Anima é uma subpersonalidade feminina no homem e Animus é uma subpersonalidade masculina na mulher, porém ambos são pólos complementares que atuam no mesmo campo, como na simbologia taoísta yin yang, onde forças opostas se encontram mesmo em aparente dualidade. Assim, é possível desenvolver uma psiquê andrógina, pra além da conotação sexual desse conceito, pois esse estado faz parte da nossa natureza mental, intelectual e espiritual.
Esse equilíbrio é uma busca diária e complexa, pois normalmente somos incentivados a desenvolver algumas coisas em detrimento de outras, sabe aquela história “isso é coisa de menino ou aquilo é coisa de menina”, isso nos afasta de algumas qualidades que ficam restritas e são coibidas constantemente, gerando uma pressão pra suprir a expectativa externa em relação ao comportamento.
Só que também não adianta eu desenvolver meu lado feminino e desprezar minha masculinidade. Uma coisa não anula a outra, e isso algo que eu demorei pra entender. As mulheres espelhadas na minha vida me deram a oportunidade de desenvolver aquilo que eu pouco vivencio em ambientes masculinos, mas por achar que a minha masculinidade está muito adoentada, acabei me afastando de círculos masculinos, ao invés de acolher aquilo que faz parte de mim.
Isso ficou nítido em três situações. A primeira foi me afastar do meu pai. A segunda ma afastar dos meus antigos amigos e a terceira o fato de parar de jogar futebol. Em todos os casos não teve uma treta como estopim, mas um distanciamento gradual. Eu continuei vivendo esporadicamente essas situações e me afastei de ambientes masculinos, mas também deixei de lado parte da minha infância.
Quando me dei conta desse vacilo, busquei ter uma relação mais próxima com meu pai e, mesmo com muitas diferenças, tenho sentido ele me reaproxima da minha própria história e da história dos meus ancestrais, a quem eu honro e agradeço pela oportunidade de viver. Como vivo no litoral de SP, comecei a frequentar alguns encontros de futevôlei e retomei o convívio com uma coletividade predominantemente masculina, com opiniões e fazeres bem diferentes dos meus, e isso tem me dado a oportunidade de praticar a escuta, o silêncio, a serenidade e me deslocar da zona de conforto.
Jogar futevôlei, acima de tudo, me faz ser um brincante, e esse bricante me aproxima da minha criança, do meu nascimento e da minha relação com a força materna. Essa força é uma das faces femininas presentes em minha vida, mas que abre a premissa pra eu me relacionar com outros aspectos desse signo.
Essa teia me faz experimentar uma harmonia cheia de encruzilhadas, me preenchendo e me completando em muitos sentidos que a existência permite. O portal aberto pela Vovó de Aruanda vem ecoando a cada dia, mesmo depois de anos, e tem revelado sentidos que não se encerram naquela conversa de muitas mulheres e cheirinhos de laranja, mas floresce em tudo que combina e se distancia disso, pois ao pegar na minha mão aquela senhora me deu, sem eu nem perceber, uma muda fértil de infinitos aprendizados.
(Capa: Colagem de Amanda Prado).
cleildes Santana
uma muda de infinitos aprendizados !
Que lindo! O conto e a mensagem.
Um Bj
MICHEL YAKINI
agradeço POR LER CLEIDES. ABRAÇO!
Guiniver
Lindo texto michel. Parabéns!
MICHEL YAKINI
VALEU AMIGA. SUA SABEDORIA E DA ELIZANDRA SOUZA SOBRE OS ÓLEOS ME AJUDARAM A DECIFRAR ALGUNS CAMINHOS DESSE TEXTO . GRATIDÃO