“Ana” (2017) – Por Janete Manacá
Ana. Direção: Vitória Felipe. País de origem: Brasil, 2017.
No barco, no mar e entre ruelas estreitas, Jeannette (Clarisse Mujinga) segue a rotina dos demais trabalhadores. Consegue trabalho de faxineira numa escola. Muito embora a sua profissão seja de professora, as dificuldades com a língua portuguesa, o preconceito por ser negra e o fato de ser refugiada da República Democrática do Congo, não lhe oferecem direito de escolha. Assim se inicia o curta-metragem Ana.
Ana (Ana Maria Linx) é uma estudante negra de 10 anos que não se reconhece como tal. Ela estuda na escola onde Jeannette passa a trabalhar. A aula tem início; e para cumprir o que fora solicitado, um desenho da própria imagem, Ana entrega à professora o seu. No entanto, a criança ali desenhada, loira dos olhos azuis, não a representa.
O filme traz à tona reflexões acerca da questão racial. Infelizmente, Ana representa milhares de crianças por esse Brasil afora. Embora pareça irreal, esse é o reflexo cruel da realidade social de muitas meninas da sua idade.
Enquanto executa as suas atribuições laborativas no pátio da escola, Jeannete observa Ana, que sofre bullying e toda a sorte de provocação. Instigada, talvez pelo desejo de fazer algo útil que possa beneficiá-las, ela tenta uma aproximação.
Na biblioteca, sentadas na mesma mesa, Jeannette desenha sua imagem e é fiel à sua representação. Ana também faz um desenho, mas novamente como se ela fosse loira de olhos azuis. Ambas estabelecem um diálogo de reconhecimento, ainda que em línguas diferentes, francês e português; e aos poucos vão se entendendo.
A partir desse momento nasce uma relação afetiva que leva Ana ao despertar da sua identidade. A congolesa solta os próprios cabelos e, em seguida, os cabelos de Ana, colocando neles uma rosa. É apenas um pequeno detalhe, mas que ressalta uma beleza até então desconhecida por aquela menina.
Após esse episódio, Ana faz um desenho de ambas e entrega de presente a Jeannette, agora como de fato ela é; uma linda menina negra. Esse foi um momento sublime do filme, resultado da potência do encontro. Da inocência nasce a coragem para assumir quem de fato ela é, sem medo, sem culpa e sem ilusão. Mas apenas um ser humano que merece ser e estar no mundo, livre de preconceitos de qualquer espécie. Feliz, Jeannette volta para a casa iluminando, com seu sorriso, cada espaço das locações.
A linguagem narrativa, a concepção sonora, assim como, as locações são simples, porém sensíveis e oferecem um tom de leveza em cada sequência. O filme foi produzido por jovens que participaram das oficinas de audiovisual do Instituto Querô de Santos/SP e a pré-produção contou com financiamento coletivo.
O curta já começou a colher os primeiros frutos. Foi contemplado na 11ª edição do festival de cinema “Curta Taquary”, realizado de 16 a 21 de abril de 2018 em Taquaritinga do Norte (PE), com os seguintes prêmios: Melhor Roteiro – Claudio Maneja Jr, Isabella Rosa e Nicolle Ferreira –, Melhor Direção de Fotografia – Alexia Cassiano – e Melhor Atriz – Clarisse Mujinga.
* Texto escrito a partir da programação (mostra competitiva) da 3ª Mostra de Cinema Negro de Mato Grosso, em Cuiabá (MT), ocorrida no período de 09 a 11 de novembro de 2018.
** Janete Manacá nasceu no povoado rural de São Martinho, norte do Paraná. Há 36 anos, construiu o ninho e regou seus sonhos na calorosa cidade de Cuiabá. É Bacharel em Serviço Social, Comunicação Social e Filosofia, pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). No percurso dessa existência é aprendiz na arte de tecer palavras. Com elas, compõe versos que a sustentam na travessia do caos. Participou da coletânea SETE – feminino de luas e mares com 30 mulheres brasileiras, e recentemente lançou os livros Deusas aladas, A última valsa e Quando a vida renasce do caos.
Luzinéia Bispo
Belissimo trabalho.. JANete Manaca.. temos que desconstruir o racismo TODos os dias