Antologia do Slam do Capim Xeroso Por Ana Carolina
Ana Carolina é poeta do Slam do Capim Xeroso (Cuiabá/MT) desde 2017. Atua na capital Mato-Grossense em três frentes artísticas como realizadora audiovisual (@salvefilmes), atriz/diretora de teatro (@cenalivreufmt) e poeta/organizadora do Slam do Capim Xeroso (@capimxeroso). Em 2018, lançou seu primeiro documentário “Slam: Rua e Resistência” disponível no YouTube do coletivo Salve Filmes. Em 2019, por meio do projeto Sesc Itinerante, circulou por dez escolas em Cuiabá e Várzea Grande apresentando o Slam e ministrando a oficina “Poesia Compartilhada”, desenvolvida pela coletiva Slam do Capim Xeroso para iniciação de crianças na poesia e na noção de coletivo. No mesmo ano, montou seu primeiro espetáculo “Contidas Nunca Mais”, que aborda o feminicídio com o qual, em 2020, foi contemplada pelo projeto Artes em Residência, ocupando a praça Alencastro com teatro até o início da pandemia. Em 2019, junto ao coletivo Salve Filmes estreou o curta metragem de ficção anti-agronegócio “6 Dias Depois do Fim”. Escreve poesia como forma de expressar denúncias e a maior motivação para a produção constante é poder somar nas batalhas mensais. Seus poemas abordam o agronegócio, o genocídio indígena, a reforma agrária, questões religiosas e feministas. Acredita que o Slam transforma a sociedade ao passo em que o encontro reivindica os espaços públicos e a palavra expõe a resiliência e a resistência de cada um que é parte de um todo.
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TRANSBORDAR
É sobre tudo isso e muito mais
Acreditar que não é capaz dói
Não bastasse o cansaço
Diário
Um sorriso no rosto é esboço
De um sofrimento contido
Denunciado no olhar perdido
Envolvido por olheiras
Franzidas
Por conta de um sorriso no rosto
Sorriso extraído
Sorriso exigido de quem tem vontade de chorar
Sorriso
Sorriso pervertido de quem ri querendo chorar
Olheiras, de tão profundas
Acumulam lágrimas no final da noite
Às vezes, durante o dia
Quando se tem a ousadia de sentir compaixão
Sair do modo automático
Pensar alguma solução
Mas num piscar de olhos lá se foi toda uma vida
E sonhar
Na mesa nunca colocou comida
Essas idéias mirabolantes de construir revolução
Acende no peito e depois vem o apagão
Acreditar que não é capaz
Não faz isso não
Não tenha ideias suicidas
Que, sentindo-se perdidas
Transformam-se em lágrimas
Sem rumo, decidem se jogar olheira abaixo
Salgado é o gosto da desilusão
De quem sorri querendo chorar
O sorriso é amigo
Mas também é traiçoeiro
Venha tudo a meu reino
E não seja feita a sua vontade
Ideias
Ajude elas a sobreviver
Alimente-as com ousadia
E não sorria
Querendo chorar
E esse é só o primeiro passo
Acredite na sua tristeza
Não é em vão pode ter certeza
É adubo pra transformação
Paciência
Esse choro contido
Arde a garganta
Queima o peito
Machuca o coração
Sorriso hipócrita
Extraído por uma sociedade acostumada a ignorar
A felicidade existe em poder chorar
Olhando no olho de quem sabe compartilhar
A dor de tanto sentir transbordar
NA FÉ COM ELAS
Guerra declarada
Fomos convocadas
Quem vai sobreviver?
Na linha de frente
Gestantes, mães solteiras
Urbanas, camponesas
Todas as parentes
Na firmeza pra vencer
Desserviço indecente
Políticas ausentes
O medo presente não estremece a nossa voz
A vida hoje é tempestade
Nossa força é a coragem
Que nos leva a atravessar
Sem se embrenhar nos sentimentos
Decompositores de ousadia
Nossa voz é alquimia
Que desafia
O golpe de Estado
Cantamos a denúncia dos assassinatos
Do crime organizado
Nossa voz não oscila
Nosso olhar vê através de um mar de lágrimas
Mas sabemos
Em guerra
Chorar não é suficiente
Tem que enfrentar diariamente
Coerção de autoridade
Em zona de risco recebemos migalhas
Vem a sensação de estar cansada
Firmeza pra aguentar
Que o sofrimento seja passageiro
Nosso interior ecoe pelo mundo inteiro
Uma nova sociedade
Estamos dispostas
Trabalhando pra criar
Quando chegar a calmaria
Em luto vamos nos alegrar
Pelos posicionamentos diários
De quem viu que estava errado
E não deixou de falar
Nossa voz é nossa arma
Nossa voz é nossa alma
É a força que vai transformar
Essa poesia é profecia
Que a travessia de cada mulher
Será história pra confirmar