As muitas janelas em “Fenestra” de Cristiane Tolomei
“As muitas janelas de Fenestra de Cristiane Tolomei” foi escrito por Divanize Carbonieri.
***
As muitas janelas de Fenestra de Cristiane Tolomei
Fenestra: vida através da janela (Mentes Abertas, 2019) de Cristiane Tolomei é sobre janelas. Inicialmente essas janelas se abrem para o passado, para a infância de uma voz poética que foi um dia menina e que hoje é mulher. São as “Memórias de uma menina/que não há mais”. Vestígios de um passado infantil se acumulam em grossas camadas, às vezes revelando recordações agradáveis, como as “brincadeiras de roda, elástico, amarelinha, pique-esconde” ou “os bolinhos de pinga da avó”, que compunham uma realidade mais mansa e mais doce do que a atual.
Em outros momentos, é enfatizada a violência da passagem para a vida adulta, que representa a morte da menina, agora apenas um corpo inerte que “flutua sob a água” “e repousa tranquilo/entre as raízes de um carvalho”. No destino dessa pequena Ofélia, desenha-se a perda da inocência que acomete toda aquela que se torna mulher, seja pelo amadurecimento do corpo e chegada da menstruação, seja pelo sangramento causado pela primeira relação sexual, reunindo tal sentido duplo no “sangue consagrado da menina”. E quando se trata de uma violação ou trauma, apenas “a corrente do rio” (ou a passagem do tempo) pode purificar “o que foi consumado”.
O amor perdido também separa a mulher da menina: “No silêncio a voz daquele que um dia foi meu./Num delírio de insensatez/murmúrios ardentes/de momentos que não voltarão./Neste espaço,/Testemunho de nosso amor,/hoje, se revela o algoz”. O tempo que cura também machuca porque inexoravelmente traz perdas em seu fluxo.
Mas talvez o rito de passagem mais determinante seja mesmo a gravidez e o nascimento do filho, vistos com alegria, mas simultaneamente com dor e angústia: “Choro./Solidão./Sem saber cozinhar, sem saber cuidar de uma casa,/Sem saber cuidar de uma nova vida”.
Diante desse amadurecer dolorido, a mulher “escreve para compreender-se?/Escreve para compreender o mundo/para compreender os motivos/compreender os porquês”. Nesse sentido, o crescimento, que é quase uma maldição para qualquer mulher, torna-se insumo para a poesia, para o fazer poético. E o poema é a janela através da qual pode-se atingir uma experiência mais significativa: “Difícil penetrar no universo das palavras,/mas é prazerosa a escrita/que comunga com a vida/vivências representadas”.
A poesia pode libertar quem se encontra limitado por situações restritivas: “As palavras voam fantasticamente/Fugindo da opressão”. Tolomei abre, assim, com maestria, essa fenestra de palavras para que atravessemos a dor do cotidiano em busca de sentidos para nossa existência. Em suas “palavras labirínticas,/o poema flui entre pensamentos/antigos e novos./Trazendo angústia e consolo”. É um convite para que nos lancemos sem medo pelas janelas de sonho e agonia que separam os compartimentos de nossa vida, para que ela flua cada vez mais livre e plena.