“Astrolábio”: um conto de Rodivaldo Ribeiro
A Ruído Manifesto vai dedicar o dia de hoje a publicar contos e outros textos de seu eterno criador, Rodivaldo Ribeiro, de quem nos despedimos ontem. “Astrolábio” faz parte de Essa armadilha, o corpo (Chiado, 2018).
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Astrolábio
Há um mundo novo à minha frente.
Inóspito, desolado, é feito do silêncio da sereia de mais belo canto que já ouvi, aquela pela qual singrei oceanos antigos, povoados ao limite do inaceitável de bestas de toda a cor, tamanho e horror. As tormentas? Essas eram de fazer o mais frio dos capitães chorar como criança em posição fetal.
Hoje, ele sabe, o único guia daquela melodia. Não eram as amarras a manterem-no preso ao mastro, feito Ulisses a voltar pra casa, era algo mais complexo em sua forma, deveras simples em seu efeito.
Um receio de se atirar à água e, extraviado o navio, não poder mais ouvir os acordes dispostos, no horizonte infindo de azul, de maneira semelhante ao chiado do casco de embarcações ancestrais rompendo ondas e espuma.
Nunca importou o custo, a vida da tripulação, quanto sangue teria de ser derramado. Nem quantas pernas, braços ou espinhas deveriam ser inexoravelmente esmigalhadas.
Tudo que jamais quis era o silêncio do porto, o desembarque. Necessitava mesmo era do horror e da ausência vazia e surda dos grandes altos mares. Dito em proforma, nada além de um eterno afogar-se. Em terra firme.
Andreza Moraes
Ele sempre preferiu a turbulência dos altos mares, acho que talvez porque tivesse medo do Porto.