Dois poemas de Barbara Grillo
Barbara Grillo nasceu em 1994 em São José dos Campos, no interior de São Paulo, mas mora no Rio de Janeiro há alguns bons anos. É antropóloga e suas pesquisas versam sobre gênero e cultura popular brasileira.
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navalha na vida
eu rezando e atravessando
o leme e a princesa isabel vazia
uma quimera você diria
valha navalha na liga
ruiz e assumpção diziam
nada pode tudo na vida
eu te imploro vamos pedalar
como se não fossemos parar
pois foi-se o dia
e a última faísca de sol
me corta as vistas
está claro como se fosse de outra vida meus caminhos não importam
eles se fazem sem que eu me esqueça me rasgam dos pés à cabeça
sobem do asfalto
vão ao capacete escangalhado
me cortam as vísceras
eu rezo ao por do sol
e o som da avenida
já não revela mais que o sofrer dos dias valha navalha na vida
tudo pode
quem já viu o mundo
pela ferida.
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em que canto da encruzilha você me encontrou?
daqui uns dias eu vou acordar querendo passear etilicamente em botafogo. vou descer do 409 na são clemente. vou atravessar pra voluntários pela mandela. super promoção 1 prato de feijoada por apenas 99,90. também já foi mais barato comprar um hidratante de cabelo, um desses que fazem mais tipo. em frente à farmácia, dois garotos vão querer me vender uma paçoca “”2 reais só, tia””. eu vou achar barato também, vou comprar, não pra comer mas pra deixar na bolsa, farofando e eles vão brigar pelas duas moedas de 1 real enquanto a mãe vai gritar do banco da praça “”respeita seu irmão, menino””. cê tá maluco que eu vou comer um croissant ali naquela esquina. vou encontrar minhas amigas em frente ao cine. a gente vai praquele bar logo mais a frente, passando pelos churros, que é uma pena que engorde, depois pelos sinais que não fazem sentido senão como tentativa de suicídio, dando de cara com a parede que é a melhor síntese olfativa do rio. graças a deus já vou ter tomado banho mas vou estar suando o suficiente pra fungar meu perfume meio doce mas escondido. e só aí vamos ver que a olhos vistos o toldo azul já não acolhe mais ninguém. é foda, o que a gente vai fazer? então bora pro ximeninho, é barato e sempre tem mais amigos. sei lá se é lavagem de dinheiro mas lavar dinheiro com aipim frito não deve dar tanto prejuízo. quem dera a batalha principal fosse encontrar uma mesa pra nós todas, porque, na verdade, provavelmente logo depois falaríamos sobre como meu deus do céu menor condição de ficar aqui, aquele babaca não para de me seguir. sei lá ele é babaca mesmo, mas por que a gente não pode ficar aqui? dá no mesmo. mó doideira, quanto dá 12 vezes 7 sulamericanas? aí vou fazer a conta rapidinho. 84 mais serviço. foda, dividido ainda daria meio baratinho. seria bobagem ir embora tão cedo, o lance é atravessar a rua e ainda tomar um coquinho. e depois comprar um palheiro, que eu também gostaria de beber se pudesse. mas a essa hora só vai ter palheiro avulso, 2 reais em moedas, se tiver. então vou comprar com um vendedor muito simpático de mesa pendura com luzes coloridas que ainda vai tentar me vender um chaveiro piscante, talvez do starwars ou do batman, mas talvez do procurando o nemo se ele olhar bem pra minha cara. 10 reais. vou comemorar no outro dia porque só ando com cartão de débito. porra, aí nisso tudo já vai ficar tarde. vou abrir o aplicativo do uber e vou dar nota pro meu último motorista que correu pra caralho com a gente no aterro e em seguida pedir outro. 8 reais. sandeiro vermelho, motorista robson. meu deus do céu robson só me avisa em qual esquina da encruzilha tu vai aparecer pra me levar pra casa.