“Bússola”: um conto de Rodivaldo Ribeiro
A Ruído Manifesto vai dedicar o dia de hoje a publicar contos e outros textos de seu eterno criador, Rodivaldo Ribeiro, de quem nos despedimos ontem. “Bússola” faz parte de Essa armadilha, o corpo (Chiado, 2018).
***
Bússola
Noite passada, consegui sonhar. Vi-me em repente parado à beira de uma montanha. À frente, um abismo imenso se desenhava. À volta, em cima e atrás, um labirinto mostrava-se a única saída possível. Envolto em um suspiro profundo, finalmente entendi meu destino.
Era um labirinto sim, mas não como outros, resolvedor de quebra-cabeças e equações que sempre fora, a desafiar-me agora a existência. Em seu centro, um monstro mais pavoroso e faminto que o próprio Minotauro aguardava; as ventas de sua cabeça ancestral a aspergir fogo por todos os lados.
O diagrama daquele local só fascinava pelo que tinha de apavorante. Feito em três dimensões, era adaptativo. Assim que percebe a presa encontrando a trilha, se reconfigura. Sempre aleatório, pode conduzir quem nele entra a infinitos novos rumos, incontáveis novas rotas, todas prontas a levar àquele que ao meio aguarda. Os sons tenebrosos cada vez mais perto. Uma única saída em confronto com qualquer probabilidade matemática. Escapar era menos que uma utopia.
Obrigado a escolher entre abraçar a voragem ou retornar ao enigma, lembro do pior. Minha princesa foi embora com o novelo, a única maneira de tentar marcar algum caminho. Se Teseu tivera Ariadne, eu nem mesmo Oráculo jamais possuí.
O que restou é o de sempre. Fingir ser forte e criar o quanto antes uma rota segura. Agora, além de entender, aceito meu destino – preciso ganhar tempo rodando, talhando com pés e mãos trilhas, de modo a evitar o centro do labirinto, onde o maldito monstro ruge, se debate e baba à minha espera. A jornada vai me transformar, mas também hei de modificá-la. “O caminho é o verdadeiro fim; muito além do chegar”. Foi esse o grito, e não o corpo, totalmente ensopado, que me despertou.
Jp santsil
Meu amigo… meu grande amigo… אני אוהב אותך כל כך. לך לשלום