Cavalos Selvagens Invertidos – Por Carla Cunha
Na coluna mensal “Teia Labirinto”, Carla Cunha escreve sobre Literatura Erótica e Pornográfica. O nome da coluna nos remete à trama e aos caminhos enrodilhados que todos nós enfrentamos ao pensar na própria sexualidade. Nessa trajetória, pontos se conectam e produzem uma teia de informações sobre quem somos. Porém, às vezes, não encontramos o caminho e a sensação é como se estivéssemos num Labirinto.
Carla Cunha é paulista, escritora de Literatura Erótica e Pornográfica, mantém um blog com textos sobre o tema e em 2019 lançou Vermelho Infinito.
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Cavalos Selvagens Invertidos
Depois que ganhei a cinta caralho de presente de Natal do Quipa, nossa relação mudou. Assumi outro papel, forte na cama, forte fora da cama; em segundos, passei de submissa a dominadora e precisei me adaptar ao novo estilo de transa entre Ly e Quipa. Naquela noite, além do assado de peru com vinho tinto, culinária que jamais me arrisquei antes; pela primeira vez, passei pela experiência de usar uma cinta caralho. Quipa disse que me queria ver ousada, audaciosa, fora daquele papel que acostumei nas nossas transas. Sim, uma nova forma de ver o sexo entre nós, tudo para não cair na rotina. Enfim, não sei dizer quais são as regras de uma relação de verdade.
No quarto, peguei a sacola rosa e fui ao banheiro, tirei o vestido, amarrei os cabelos e abri o embrulho. Fixei no objeto obsceno, pornográfico, como uma criança pega num brinquedo ainda desconhecido. Puxei o objeto da sacola pela fita preta. Aliás, fitas, fivelas e o pau de borracha se misturavam nas minhas mãos sem eu entender como poderia usá-lo. Meu reflexo no espelho mostrava ainda uma mulher delicada, e me perguntava se aquele ato com cinta caralho iria então mudar a minha sexualidade ou ainda a minha personalidade? Toda a transa é uma oportunidade de encontrar as tantas outras Lys que aqui estão e que ainda não as vi.
Seja como for, peguei a cinta de um lado, do outro, verifiquei o pau, encaixei na cintura de um jeito, depois do outro, puxei um pouco para direita, para esquerda, arrumei a fivela, não consegui encaixar, tudo era novo e esquisito para mim. Lembrei-me de Luisa e de uma conversa que tivemos no Sky Bar dois ou três meses atrás. Ela me contava sobre a experiência com um boy hetero, mas com desejo na reversão, empolgado para se postar de quatro e ser introduzido pela cinta caralho que Luisa vestia. Era sua primeira experiência também e simplesmente se sentia a mulher mais poderosa do mundo ao transar de cinta caralho com o boy.
Resolvi ligar para Luisa, dizer sobre a situação que me encontrava e as dificuldades tanto com o uso do objeto quanto com meus sentimentos, até então frustrados por ter eu que assumir a atividade na cama com o Quipa. Não estava confortável para mim, achei que seria um Natal bem diferente, sem surpresas para terminar o ano. É verdade que deveria ter desconfiado depois de um ano totalmente atípico. Enfim, Luisa parecia uma louca quando a disse o que se passava comigo. Gritava e gargalhava. Primeiro, por conhecer muito bem o que me excita e meu comportamento na cama. Já namoramos por mais de seis meses. Nem ela, muito menos eu, imaginamos que um dia eu passaria por essa situação. Sinceramente, não sei como foi que cheguei até aqui.
Pedi para ela que me ajudasse, explicando o uso da cinta e o que deveria fazer exatamente com o Quipa para lhe dar prazer. Ela debochava e não me levava à sério. Precisei engrossar em cochicho, já que ele estava ao lado, no quarto, enquanto eu, ali no banheiro, me embaralhava com toda a situação. Por fim, Luisa me ajudou, disse como colocar a cinta e os estímulos necessários na anatomia de Quipa para que o prazer dele fosse de arrepiar. Fiz tudo o que ela me disse e prometi voltar a ligação para contar o desatino. Desliguei o telefone com meu coração batucando num ritmo alucinante. Tomei água da pia, me vi mais uma vez no espelho em outro contorno. Agora um pinto de borracha lançava-se do meio das minhas pernas decidido seguir em frente. Sempre para frente. O poder inexorável de um pau ereto que avança cortando e afastando os obstáculos do caminho.
A maçaneta da porta do banheiro, então, o próximo passo. Girá-la. Puxá-la. Enfrentar o destino, a sexualidade, a oportunidade, e aí se fazer outro no que se tem do outro. Entrei no quarto. Quipa na cama deitado de bruço, aproximei. Toquei com as duas mãos nos seu tornozelos, e nesse toque, uma faísca se despregou abrindo um portal com mil cavalos selvagens atropelando meu corpo. Passavam por mim como se eu não existisse, como se eu fosse uma mulher invisível. Segurei com toda a força que tinha as pernas de Quipa para não me deixar levar por aqueles animais selvagens. Milhares deles. Avancei por suas pernas na tentativa de me salvar e assim atingi suas nádegas, polpudas e enrijecidas.
Quando o último cavalo selvagem atravessava meu corpo, ensandecia com destreza o corpo de Quipa. Puxei-o pela cintura e o coloquei de quatro, aproveitando para manipular seu pau com uma mão, enquanto com a outra circulava com o dedo ao redor do cu. Ele se estirava, gemia, retorcia me indicando que era assim mesmo que se fazia e assim fui andando pelo seu corpo, percorrendo veias e nervos, na busca do tal ponto ou de todos os pontos capaz de enlouquecer Quipa. Por fim, o penetrei, sem medo, sem raiva. Eu montava no cavalo pelo lado de dentro e o cavalgava de corpo inteiro. Cavalos Selvagens no Natal de pandemia. Quando terminamos, pensei em Luisa e no que irei contar para ela. Depois beijei Quipa na boca, e fui ao banheiro retirar a cinta caralho.
(Ilustração: Frida Castelli).
Cleildes Santana
Ahh já tinha até esquecido do quipa.
Bonito encontro esse . Fiquei rindo da agonia dentro do banheiro ao ligar para a amiga. É interessante mesmo as tuas dúvidas .
E agora ? Qual terá sido o sentimento do QUIPA?