Cinco poemas de André Oviedo
André Oviedo é de São Paulo e nasceu em 1989. Autor de Formol (selo doburro, 2014), corpo do poema (independente, 2017) e do zine Meditations over distance (independente, a sair em 2019).
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penso no que já não está aqui
muito mais demoradamente
do que quando estava
como se a ausência
pregasse no tempo a coisa perdida
e tornasse possível observar
tudo se apurando
à medida em que se afasta
numa espécie de quadro movediço
*
não sou eu
quem diz o que digo
é um outro
a todo o momento
a palavra está em perigo
por isso a busca em descobrir
desde onde se fala
para lançar alguma luz
e ver como me trai
esse outro que me traduz
*
foi na varanda de casa
que descobrimos
o significado real das fronteiras
passamos muito tempo
discutindo se aquilo era estar
dentro ou fora
não chegamos à conclusão nenhuma
mas constatamos
numa cartografia inventada
como era bom eu e você
sermos países vizinhos
*
Natureza morta
os figos
de Benjamin
o pão
de Ponge
as flores das acácias
de Parra
a pedra
de Szymborska
as ameixas
de Leminski
(ou de William Carlos Williams)
uma moeda
de Borges
as bananas podres
de Gullar
a colher
de Helder
a rosa pulverizada
de Pizarnik
tudo isso
sobre a mesa
de Drummond
*
em algum lugar depois do fim
flutuando entre os destroços
encontraremos a caixa-preta
e poderemos finalmente
restituir o passado
palavra por palavra
como chaves perdidas no tempo
a reabrirem as portas
que nos trouxeram até aqui