Cinco poemas de Antonio Carlos Floriano
Antonio Carlos Floriano nasceu na cidade portuária de Itajaí, de pai embarcado, circulou infância por outras cidades portuárias como Paranaguá e Santos, onde aprendeu a ler. Até aí só emendava palavra influenciado pela folia musical de seus tios por parte de mãe. Tem livros de poesias e para infância publicados desde a década de noventa. O último Post Provisório encerra seu desejo de publicar poesia em papel.
Os poemas abaixo pertencem ao livro Post Provisório (Editora Espelho d’Alma: SP, 2019).
***
COMO SE APRISIONA UM RIO PARA SI
como se aprisiona um rio para si
não há moirões na água
arame para circular uma cidade
apenas um poço de nuvens
engolidos nos mergulhos
nas voltas infindáveis da geografia
onde encontrar o calor dos outonos
as sombras desvanecidas
a pouca cor dos trapiches adernados
como amarrar um navio fosse um bicho
segurá-lo na corrente contra o terral
se a noite se esconde na luz do farol
se a noite sussurra nas tralhas das redes
a solidão dos beliches sem ar
da tinta envenenada manchada de mar
que se tome um banho de água doce
para prender o rio sob a pele do rosto
se tirar das mãos as escamas das unhas
para se prender o rio na memória do poema
feito um navio na geografia da cidade
é preciso inventar um mapa no coração
*
UM BARCO FORA D`ÁGUA
um barco fora d’água é um animal sem patas
por fora mostra o oco de dentro
de dentro a feitura do que aparece fora
sobre os jazentes de ferro se assenta
sobre a espera corrente do rio em suas costas
espera a corrida da carreira no rio que o assente
um barco pronto é um animal perene
*
HUMAITÁ
há um caminho de bosque
perto do humaitá
árvores antigas se abraçam
trançando sombras iluminadas
nas fachadas dos casarões vazios
há uma alegria ruidosa e juvenil
na gare do metrô de botafogo
contra tudo e contra todos
o rio de janeiro continua lindo.
*
SOBRE O ASFALTO MOLHADO
sobre o asfalto molhado diviso o mar
na chuva da tarde o mesmo momento
em que ficava lançando barcos de papel na água
a tinta a óleo da nossa velha casa de madeira
formava mosaicos como uma doença na pele
meu pai se foi na distância
e a mãe disse que deus faça de pedra pão
estamos tão tristes no japão.
*
YURAKU – CHÔ
essa manhã passei em tóquio
manhã em que um vento frio come o outubro
e o mundo reorganiza suas enormes digitais
deus deve estar rindo de minha inútil matéria
e de quanto tempo perco observando essas pessoas
talvez até hoje espere um aceno na estação de trem
um aceno de ninguém
esse amontoado de olhos a consumir as janelas
dos expressos silenciosos a caminho da manhã
partem como a primavera e fico sempre à espera
de uma pequena palavra um aceno de bom dia
a hora passa na manhã vazia