Cinco poemas de Carlos Ramos
Carlos Ramos nasceu em Peniche, Portugal. Licenciou-se em Direito, escritor, tradutor e fotógrafo. Foi sócio fundador da VIRTUAL – Associação de Fotógrafos. Publicou os primeiros trabalhos nos jornais, DN Jovem e no JL – Jornal de Letras, está publicado também nas colectâneas “Nas Águas do Verso” e “Entre o Sono e o Sonho”, nas revistas literárias: “Palanque Marginal” – (Brasil), “Abismo Humano”, “Piolho”, “LiteraLivre” – (Brasil), “Proyecto Straversa” – (Colombia), “Oropeles y Guiñapos” – (Espanha), “Literatura & Fechadura”- (Brasil) e nas páginas “Poesia Portuguesa”, “Quem lê Sophia de Mello Breyner Andersen”, “TheBooksmovie – Fonoteca de Poesia Contemporânea” – (Espanha), Weixin offcial platform” – (China), e em Escritas.org – (Portugal/Brasil), assim como em diversos blogues, entre outros “Gazeta de Poesia Inédita”, “Canal de Poesia”, etc. Participou como programador no projecto Alcova Org. Foi autor e administrador dos blogues: “Infinito Atlântico” e “As Mãos Por Dentro do Corpo”. Está traduzido para espanhol e chinês. Participou e participa em festivais literários e recitais de poesia.
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Tudo o que permanece é provisório
Como a ferrugem que aflora ao corpo do navio
também a memória irrompe pela pele
da mesma forma que a palavra surge no papel
vem ao poema o espirito do poeta
mas quando chegares ele já terá partido
nada restará senão um verme
porque a alegria também é feita de ossos
e hoje é só aqui
e nada mais
para além dos teus olhos que amam
assim significo eu sobre o morto que hei-de ser.
*
À janela no teu aniversário
A vida passa-te à janela
um ar gelado
queima-te o tempo que resta
ela parte para longe
tu ficas
cortado ao meio
morres
no absinto dos dias
com a boca cheia de abysmo
e os olhos fundos
postos na sebenta
escrevendo ao anjo
o desespero do vazio
o osso duro na garganta
a tesoura na língua
o sangue seco
sobre a ferida da tarde.
Todos os desastres do mundo
buscam o teu corpo.
Vai-te embora
não lamentes
não voltes.
*
Cowboy disparando poemas
Quero avisar toda a gente
que se afaste para já
uma dúzia de passos
a dentadura pode estalar
a máquina brilhante de produzir sonâmbulos
tem de ser desligada
há que regressar à literatura
temos de honrar a palavra que arde e dói.
Como de costume o fastio
procurar ajuda onde é mais fácil
onde a água podre enegrece o espirito
eles bebem.
Retiremos um sentido do que não o tem
o esquecimento lembra o fogo doce
o medo lambendo a pele
mordendo-lhe a branca superfície
dizendo ao sangue para sair
crepúsculo vivo
cowboy disparando poemas
recordando que a morte em vida
é a coisa mais medíocre do mundo.
*
Havemos de arder juntos
Seguiam abraçados
com um lençol por cima
todo aceso
eram um punho em fogo
na febre do mundo
dançaram em silêncio
nesse filme mudo
procurando o nunca encontrado
a estrela ácida
os animais da luz
na noite funda.
*
A grande sombra
Era assim que te escrevia
com as unhas partidas
e a pele retraçada pelo atrito
procurava
um peixe ou uma luz
para voar ou para cegar
ou melhor
para explodir
como um vulcão
que apodrece por dentro
o fogo esquecido
o tempo por incendiar
era assim
que saía de casa
para o mundo
as mãos rotas
os bolsos descosidos
o olhar turvo
e nos pulmões
a tua grande sombra.