Cinco poemas de Dia Nobre
Dia Nobre é historiadora e escritora, nascida em Juazeiro do Norte, interior do Ceará. Atualmente trabalha em Petrolina, Pernambuco, como professora universitária desenvolvendo projetos ligados à literatura, história, lesbianidades e feminismo. Possui dois livros publicados na área da pesquisa histórica, O teatro de Deus (Ed.UFC, 2011) e o premiado Incêndios da Alma, (Multifoco, 2016). Seu primeiro livro de poesias e prosas poéticas, Todos os meus humores, foi publicado em junho de 2020 pela Editora Penalux. Participa da Coletânea VISÍVEIS – I Anuário Filipa Edições.
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I
eles disseram que
eu não poderia subir
menina pobre vinda do interior
eles disseram que
eu não poderia chegar
menina feia fora do padrão
eles disseram que
não
não
não
aos meus ouvidos
cada não destoava em compasso
e eu ignorava esses homens
pobres de espírito
que insistiam em dizer que
não
não
não
um dia
eu cheguei ao topo como eles
aprovada com louvor
indicação de publicação
ganhei prêmio
e mesmo assim
eles diziam
não
não
não
e aqui estou hoje
mulher forjada em ferro e fogo
ao custo de deus-sabe-o-quê
e para eles eu digo
sim
sim
sim
– sobre as coisas que disseram que eu não podia fazer
*
II
o mundo nos diz para esperar
quando for maior de idade
quando estiver pronta
quando tiver segurança
o mundo esquece que
que não há idade
para que nos violentem
que não há como estar pronta
para esse mundo que nos oprime
que não há segurança que nos proteja
do perigo que é ser uma mulher.
*
III
evitar contatos imediatos
de quinto grau
lavar as mãos com álcool 70
usar luvas e máscaras
jogar os pobres em hospitais lotados
para morrerem mais rápido
reforçar a distância dos possíveis afetos
o planeta tem seus meios
de se livrar dos parasitas
os governantes tem seus meios
de manter suas riquezas.
*
IV
tenho pulmões pequenos
brônquios estreitos
alvéolos frágeis
me falta o ar
e uma tosse seca
convulsiona todo o meu corpo
tenho um coração enorme
que ocupa o meu corpo inteiro
bate acelerado avisando
que pouca vida me resta
e que é necessário
apreciar as impossibilidades.
*
V
não adianta ser o que não se é
fortaleza é reconhecer os próprios limites.