Cinco poemas de Fabrício Pizelli
Fabrício Pizelli é graduando em Filosofia pela UNESP, pesquisador em Filosofia Francesa Contemporânea. 21 anos e suspeito de cometer alguns poemas durante a vida.
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Convivência
Conclui, nesse momento, (ao atravessar a rua), que o único problema da existência é conviver,
Se sou frustrado, é porque existem pessoas melhores que eu,
Se sou limitado, é devida às barreiras que me foram postas,
E se a responsabilidade de se tornar alguma coisa, arroja o peito
Por causa daquelas pessoas anteriores a nós, que porventura, já fizeram melhor.
E se tornaram melhor, justamente por conviver com pessoas piores.
A convivência estabelece graus, sentimentos, gostos.
Gostos bons? Gostos maus? Sim, claro.
O prazer de esfaquear não é o mesmo prazer de ser esfaqueado.
E se foi esfaqueado? É por causa do quê?
Aliás, dentre essas convivências, a pior não se resume a outrem
(O carro se aproxima).
Das existências, que se tornam convivências
que se entrelaçam entre sentimentos e sensações
e que perturbam a mente, e a respiração se torna pesada
Ao que ama, ao que pensa, ao que constrói,
Antes mesmo de se pôr ao mundo como existente
A pior das convivências borbulha sua alma.
A convivência de encostar a cabeça sobre o travesseiro,
Percebendo no exato momento que o pior de tudo,
é lidar com seus próprios demônios
(O carro buzina).
E as gargalhadas desses mesmos demônios
nos lançam para fora de nós como se fôssemos expulsos de nossa própria casa
nos obrigando a falar: Bom dia! Pois precisamos trabalhar
nos obrigando a gritar: Chega! Pois, voltamos para casa e não há ninguém para conviver além de nós mesmos.
E gritar, nesses momentos é a única pausa, as vezes eterna, de conviver.
(O carro atinge).
*
Câmbio, desligo
Mayday, mayday, mayday,
Aqui é Falcão Azul para o mundo.
Mayday, mayday, mayday.
São Paulo, 08 de junho de 2018,
Preciso de ajuda, alguém está na escuta?
As coisas não estão indo bem.
19 anos, possuo sonhos que não cabem no peito,
Limitações linguísticas, inteligência duvidável e uma covardia tão grande que quando paro para conversar comigo mesmo sinto medo do que penso.
Mayday, mayday, mayday.
As coisas não estão bem,
Acabei de conversar com um professor,
Ele foi dispensado da escola porque está muito velho;
tornou-se negócio o que não poderia ser negócio;
Mayday, mayday, mayday.
Estão pedindo mordaça, não estão lendo;
ouvi de um engravatado o termo “sabedoria seletiva”.
Estou assustado e não há previsão de mudança.
Mayday, mayday, mayday
Não posso ter o luxo de não trabalhar amanhã,
me disseram algo sobre “prazo a cumprir”,
mas os meus braços estão inchados, minha coluna lateja,
meus olhos não conseguem ler uma palavra.
Gosto de escrever, mas transformaram esse prazer em tortura;
estou tentando passar essa mensagem por rádio, porque não consigo escrever.
Mayday, mayday, mayday,
Recebo um auxílio do governo, mas infelizmente, ele é menor que a fome.
Um pessoal de farda assassinou um menino de 15 anos a 100m de mim. Disseram: “Vish, não era esse. Ah, mas veja a cor e as tatuagens, se não era, agora é.”
Mayday, mayday, mayday!
A bateria está acabando! Alguém está aí!!!
As coisas não estão indo bem e eu não sei o que fazer,
estou distante e próximo das pessoas ao mesmo tempo,
mas ninguém consegue me responder!
ALGUÉM, POR FAVOR, ME AJUDA!
Está escurecendo e as coisas não estão indo bem.
Mayday, Mayd..
(-Navegante na escuta, Falcão Azul pode falar.).
*
Danação
Inconcluso sonho daquele ousa,
Condenado à latrina da vida,
Jogado às traças do destino fadado,
Nunca. Repito: nunca, poderá
ao descanso se entregar.
Talvez a sina seja esta,
Uns são livres para errar, outros não.
Somos incumbidos de fazer dar certo,
Se falhamos, morremos; se acertamos,
adiamos a morte para algum dia que,
certamente, erraremos.
Vida de rotina mal conjugada.
Dores de campanha “malsucedida”.
Quem dera um dia, daremos ao luxo de nada fazer.
Deixarmos as contas vencerem;
Os filhos se contorcerem de fome;
Deixar o armário se esvaziar –
mesmo que esse se esvazia contra o nosso lutar.
Combatemos um bom combate,
mas perdemos no final.
E nos rendemos aos vícios, aos pecados.
Já nascemos maculados.
Ainda ousam entrar em nossa mente,
Seja por meio dos celulares,
ou através das fofocas de ruas.
Ainda ousam nos falar que somos inteiramente capazes.
Capazes de lutar.
A luta é necessária, mas quem morre não são eles.
Gados prontos para o abate.
Gênios sem terem escritos nada.
Vencedores sem vitória.
Por que insistimos em apanhar?
Seria o masoquismo inerente a nossa natureza?
Qual é a (im)pertinência dos nossos dias?
Trazei os dignos de glória!
Faça-os a fazerem dar certo!
Obrigue-os a acordarem mais cedo,
a dormirem mais tarde.
E assim, os veremos sucumbir.
Tal qual o trabalhador, já velho, de um país,
Ao ver o mar pela primeira vez, corre.
Seus olhos lacrimejam. O vento da costa balança os cabelos.
Corre mais rápido e pensa: isso é o mar.
Seis metros antes de alcançar o mar.
Seis metros antes de intuir a diferença da água doce para a salgada.
Seis metros para um luxo conquistado.
Ele fez dar certo, mas, no final, morreu na praia.
*
Tempo cão
Quando o dia nasce uma centelha de alegria floresce.
Porém, no passar das horas ela se vai,
e a noite traz à tona toda a melancolia
Frustração, dor, impotência.
A vida inteira procurando ser aquilo que nunca foi designado.
Aliás, o que fomos designados, além de meros reles, sozinhos e medíocres?
E se o tempo é o limite da existência,
Diga-me, por que a existência do vazio se perpetua?
Por que uma garrafa de vodca faz mais sentido,
do que acordar todos os dias e vestir uma forma que não é a sua?
Habitamos um tempo de saberes empíricos
cujas concepções são limitadas apenas em cabanas a vista.
Ora! Acorde!
O tempo só existe para os que estão dentro da cabana,
os que estão fora existe apenas a imortalidade, a continuação e dogmatismo.
A lucidez mais delirante defronte a velocidade que o medo estabelece.
Late, late, late
É o tempo cão submisso observando com obrigação os comandos do seu nobre dono
O dono Dinheiro que estende as jornadas de trabalho e dissolve as famílias.
O dono Memória que impede os gênios de serem lembrados e permite os medíocres de serem glorificados].
O dono Prestígio que encobre a significância do ser e cega as pobres almas na cabana.
O dono Desespero que bloqueia a vida dos subalternos.
Tempo sujo, tempo que não é, tempo que não pode ser.
Doravante.
O ser pode existir,
o ser pode ser,
o ser pode controlar o tempo.
E no florescer do dia, quando a vestimenta fútil tiver sido colocada.
Os tic tac’s, as badaladas, os ponteiros e engrenagens,
tornarão meros habitantes de um vasto e hostil, canil.
*
Poema da incompletude
Sinto dores que não são minhas,
dores que ainda não aconteceram.
Escorre lágrimas que ainda não chorei,
mas se as chorassem não haveria motivos.
Não tenho motivos, mas pego os alheios,
Cada aperto de mão mal-arranjado,
Cada abraço desencaixado,
Cada pensamento inconcluso.
Se começo, não consigo terminar
Se peço algo, não consigo agradecer,
E não é por falta de tentar é porque talvez,
Não era necessário pedir.
O término só existe porque o começo se fez presente,
e mesmo sabendo da tristeza ou alegria de terminar,
por que continuamos? Por quem escolhemos?
Suspeito que nós escolhemos pelos outros, pois
já escolhemos falhar e encontramos no outro
o sucesso de algo que não podemos imaginar.
Tião marmita
Apaixonei. S2