Cinco poemas de Flávio Porto
Flávio Porto nasceu em 1993 na cidade de Garanhuns, Pernambuco. Atualmente pós-graduando em Engenharia Software. Programador por profissão e poeta por necessidade. Um devorador de poesias, fã de Manoel de Barros, seguindo em busca de caminhos no mundo das publicações literárias e, por enquanto, compartilha pequenos escritos no instagram @deversoemverso
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pé.
as sensações do não poder percorrem meu corpo
desço do carro e noto que não estou de carro e noto que nem sai de casa e noto que ainda estou deitado com um formigamento em todo corpo
bebo um copo d’água antes de sair e começo a me lembrar em não absorção
e logo penso que não consigo e logo sinto que o mundo me joga o mundo e logo vejo que exagero nos meus pedidos a mim
não vou
não posso
carrego um livro de poemas que nunca li por completo
dizem que é bom se ter um livro sempre por perto
tem pessoa que é livro
já é noite e mal reparei no dia e mal reparei nas horas e mal reparei em mim
não lembro de ter comido, mas não estou com fome, preciso beber água, não estou com sede, preciso ter
abraço meu livro enquanto ando
um vazio me toma quando reparo a ausência, um vazio cheio, um vazio vontade, um vazio sem tempo
chego em casa, fecho as janelas que estavam abertas para o inverno, abro o livro numa página aleatória e o deixo em cima da mesa, coloco uma garrafa cheia na geladeira, apago todas as luzes externas e internas
*
desabafo.
hematomas ao invés de sonhos
cicatriz no lugar da alma
como querem que tenhamos calma
se roubaram tudo que fomos
*
continuação.
as observações vão ficando para nunca
chego em feridas intranquilas como quem chegou ao céu
remexo entre pedras e faltas
roubando minha própria voz
mais que o que busco é aquilo que não sei
a verdade nunca chegará
as veias de sol que percorrem o mundo estão cada vez mais vazias
o abandono está acontecendo de dentro pra fora
atitudes morrem antes de acontecerem
sonhos morrem no centro do estímulo
cartas são devolvidas
perco os pessimismos num tropeço mas
isso não ausenta as risadas do destino
encontro aquilo que me faz inquieto junto com
falsas esperanças e margens distraídas:
continuação.
palavras prendem minhas mãos
solto com um soluço
nunca me dou ouvidos
*
estado.
agoniado
procuro palavras e não encontro
acho que estou à beira de um colapso
abismo
estou parado diante de mim e
a garganta seca
seca
empoeirada, treme
respiro fundo
finjo esquecer
tudo que é vertigem
tudo é vertigem
e as palavras que não encontro
definem meu estado
*
tempo ou falta.
há de ser o que?
o que será se ver o sempre?
o que virá na virada da vida? –
sigo meus questionamentos
até a multiplicação.
no risco do vento entre a perda e a razão:
ajuda?
restos em crédito; crescimentos do ser; reflorestamento da alma.
primavera à vista; pássaros pulsando igual bombas.
o que há além?
há além?
existência que brinca de anoitecer em tempos de sol enquanto aqueço vontades com sentimentos.
há?
tempos.
tempos internos; relevo lutas, recomponho letras, renasço.
a permanência do amanhã é o medo que corta, é o verme que come, é o preso que.
que. que. engole palavras.
saber: vida que vem, vai, vem, vai, vem; morte que vem, vai, vem, vai, vai…
divago reflexo: ser é olhar para dentro e ver, ser, é olhar, ver dentro, para ser, para ver, ser, ser, é.
olhares de nuvens cheias ferroam a cada compasso,
a verdade cheia de luz vermelha, vermelha, sangue, sangue, pinga, pisa,
escorre por entre as paredes das árvores e na carona natural, deságua em nada.
sangue pesado, lágrimas, via mão do contraste da vida.
unhas roídas pela ansiedade, pernas tremendo pelo drama.
o fim que se acaba em palavras de adeus que não dizem nada.