Cinco poemas de Helenice Faria
Helenice Faria é doutora em Linguística pela Universidade de Brasília, mestra em Linguística pela Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT-Cáceres/MT), graduada em Letras (Port/Inglês pela Universidade do Vale do Rio Doce – UNIVALE e em Espanhol pela Universidade do Estado de Mato Grosso- UFMT). Apaixonada pela vida, sendo mineira de Governador Valadares/MG e mato-grossense desde 1999, ama as linguagens e as subjetividades. É autora de Reflexões em Prosa e Versos (2003), Vertigens (2005), Mulheres Reunidas (2009) e Balaio de Poesia (2011). Ultimamente, desenvolve o Projeto Palavras em Movimento e, com mulheres negras mato-grossenses, coordena a coleção Rabiscos Negros (no prelo).
***
A noite adormece a alma
tocada, surrada, calejada da vida.
Lua sangrenta em vigília
Assiste corpos a tombarem no chão.
A noite amortece o corpo
Algemado, ferido e fraco.
Adentra os breus das diferenças, dos chicotes, dos maus tratos.
Acena à morte ao despedir-se dos fios de sol.
A noite relembra o trato:
Menina, alivia o fardo do dia.
Cochila, expia e clica as novidades da vida.
Repulsa, Rejeita, vomita
Padrões engessados em vias banais.
A noite conhece maldades
Evoca calamidades
No líquido lembradiço
Que escorre nas pernas e pulsa um corpo
Invisível espaço marcado, resistente.
*
Lentamente
Deitou-se
No leito silente adornado em flores.
Clareou
E as sombras do passado dissipou.
Vicejou
E a pomba alteou seu voo
Riu do roteiro vazio
Tão longe de si.
O passarinho no ninho
Boquiaberto e esguio
À espreita daquela que não voltou.
Renovou
Seus cabelos presos em fita
em roupas, decerto, solícita
do corpo calmo, infindo e fino na chita.
*
Quem conta comigo
Me encontra nas subjetividades.
Do alvorecer ao entardecer
atende os sussurros
E acorda ardendo de prazer.
Quem conta comigo
Toma a palavra
Mastiga e degusta cada sentido.
Extrai de seus sumos lascivos
Elixir contra a ignorância.
Quem conta comigo
Traga da alma,
Toda fumaça e cheiro exalado pelos sábios lábios.
Quem conta comigo
É cônscio da pele,
Bronzeia o corpo
Desfila esperanças
Lança as pedras no alto mar do esquecimento
E aquieta sob o mover das esperanças.
Quem conta comigo
Rejeita os olhares
E sabe para quê veio
E reescreve nas ondas, fora preconceitos.
*
Há sangue e suor
Que vertem nas veias
Exalam e gritam
ao som das correntes
Vividas, erguidas,
Dissipadas, caídas
Que ficaram para traz.
E quem diria, Tereza
Teus ais, que bem faz
Para além dos quilombos e de aldeias
Em gritos gerais.
Dirias, Tereza:
senhores do povo
Que intimam e assustam
Discriminam e dizimam
Maltratam e exterminam
Insistem por nossa voz?
Graças aos gritos de suas avenidas
Ressoados, ecoados
Às grandes Marias, Madalenas
Nem pensem arrependidas,
Nos cantos dos morros, ruas e vielas
Contornam e zelam
Seus pés asseguram:
Esqueçam as agruras
Outro tempo se faz.
*
O brilho nos olhos
refresca a garganta,
levanta, assanha
e arrebata corpos em amor.
As mãos deslizam,
Apalpam, afirmam
Os rumos da história
nos pelos da dor.
A língua ingênua
Persegue atalhos
Destroça paredes
E traça caminhos
Cercados de amor.